A primeira loja da Comme des Garçons no Brasil – e na América do Sul – abre suas portas na próxima quinta-feira (12.06), no shopping Iguatemi, em São Paulo. O espaço traz peças das linhas Play, Play Converse, Homme Plus, Shirt + Shirt Forever e Femme, além de acessórios e perfumes.
“Temos muitos clientes brasileiros, especialmente em Nova York, mas também em Paris e Londres. Sempre achamos que os brasileiros são abertos à criatividade e a fazer as coisas de forma diferente”, disse Adrian Joffe, CEO da Comme des Garçons International e da Dover Street Market, durante visita ao país em fevereiro deste ano.
De acordo com o executivo, o namoro com o Brasil já tem 25 anos. Faltava só encontrar o parceiro ideal para consumar o casamento. Matches perfeitos são essenciais para a Comme des Garçons, que não opera como a maioria dos negócios de moda. Como suas coleções, os bastidores, as estratégias e os pensamentos são bastante particulares e não seguem regras pré-estabelecidas.
Rei Kawakubo.
Foto: Divulgação
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A marca foi fundada em 1969 por Rei Kawakubo. O nome não tem muita explicação, a não ser que a estilista gosta de como a expressão soa em francês. O primeiro desfile foi em Tóquio, em 1973. E desde então, a predileção pela cor preta se destacava como uma das principais características.
Quando a primeira coleção foi apresentada em Paris, em 1981, choque foi a reação comum. Era uma época de exageros, dominada por tonalidades saturadas. Na passarela da CDG, só se via looks escuros, peças desconstruídas e tecidos rasgados. Em uma entrevista de 2004 à revista i-D, Rei fala que a incompreensão inicial sobre seu trabalho foi essencial para seu sucesso.
Uma das criativas mais geniais em atividade, Rei Kawakubo não teve treinamento formal em moda. Nascida em Tóquio, em 1942, estudou arte e literatura na Universidade de Keio. Começou a fazer e vender roupas para conseguir independência financeira e porque não encontrava nada que quisesse vestir no mercado. A aproximação com a indústria veio com um emprego no departamento de publicidade de uma empresa têxtil, a Asahi Kasei.
Ao longo dos anos, suas criações desafiaram os conceitos ocidentais de vestimenta, de construção, de uso de cor, de sexismo e a relação entre roupa e corpo. Vida, nascimento, morte e casamento são temas recorrentes em seu repertório – bem como caveiras, volumes inusitados, florais, tie-dye e elementos militares. À frente da Commes des Garçons, ela não só mudou a maneira como se pensa moda, mas a forma como moda e pensamentos podem coexistir na cultura e no mercado.
Comme des Garçons, inverno 2025.
Foto: Getty Images
Rei é retratada frequentemente como artista e feminista. Ela rejeita as duas concepções. Diz apenas que é uma mulher de negócios – e punk. Talvez a melhor forma de classificar seu trabalho – e a CDG – é justamente a não-classificação, sem padrões, barreiras ou conceitos. Seu real interesse é a criatividade em estado mais puro. Uma das minhas frases favoritas dita por ela após um desfile (o de verão 2014) é: “Senti que a única maneira de criar algo novo era tentar não fazer roupas”.
Dentro do grupo Comme des Garçons, composto de 17 outras linhas, das grifes Junya Watanabe e Noir Kei Ninoyima e da multimarcas e plataforma criativa Dover Street Market, quase nada é de simples definição. As lojas próprias, por exemplo, raramente parecem estabelecimentos comerciais. Algumas sequer têm vitrines, outras ficam escondidas dentro de galerias ou becos e a decoração é sempre inovadora. Os endereços tendem a ser diferentes daqueles reconhecidos como destinos de consumo.
As fragrâncias, em frascos emblemáticos, têm notas peculiares, para dizer o mínimo. A primeira a ser lançada, a Odeur 53, em 1989, mistura os cheiros de borracha e esmalte. Administração e planos comerciais também fogem à regra. Logo após o licenciamento da linha Comme des Garçons Parfum, para a Puig, em 2002, criou-se uma outra (própria), a Comme des Garçons Parfum Parfum para dar continuidade a experimentações mais ousadas, sem a interferência de terceiros. “E eles toparam”, fala Adrian. “Durante 20 anos, dividimos a distribuição: eles faziam perfumarias e lojas de departamento, nós as concept stores e nossos próprios pontos. Era bem transparente. Até que eles começaram a ficar insatisfeitos e decidimos trazer tudo para dentro de casa.”
Comme des Garçons Homme Plus, inverno 2025.
Foto: Getty Images
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Outro sucesso foram as guerrilla stores, lojas pop-ups com ativações específicas e parcerias com jovens criativos para dar vida nova ao estoque morto. Entre 2004 e 2011, o projeto passou por 37 cidades e acabou quando outras empresas passaram a imitar o modelo.
Naquele mesmo 2004, nasceu a primeira Dover Street Market, em Londres. Hoje, ela também está presente em Ginza, Paris, Pequim, Nova York, Singapura e Los Angeles. O formato é o de uma multimarcas, porém a seleção e apresentação dos produtos (tudo junto e misturado) tornam o espaço único. Exposições de arte, eventos culturais e colaborações multidisciplinares são frequentes.
A DVM se tornou ainda uma espécie de incubadora de novos talentos. Erl, Vaquera, Honey Fucking Dijon, Sky High Farm e Olly Shinder são algumas das labels que contam como apoio na produção, gerência, comercialização e distribuição. “A gente não gosta de crescer na vertical, ter tudo – fábrica, loja. Preferimos crescer horizontalmente”, fala Adrian. “Quando vemos potencial em uma marca jovem e gostamos das pessoas, ajudamos na produção, no financiamento. É uma forma de expandir”, continua.
Carlos Jereissati e Adrian Joffe.
Foto: Thomas Thebet
Em fevereiro, durante uma de suas visitas ao Brasil, para as preparações da nova loja da Commes des Garçons, Adrian Joffe conversou com a ELLE Brasil sobre o primeiro ponto de venda no país, o modus operandi da empresa e a visão de sua chefe, Rei Kawakubo.
Há quanto tempo a chegada da Comme des Garçons está sendo planejada?
Há cerca de 25 anos. Temos muitos clientes brasileiros, especialmente em Nova York, mas também em Paris e Londres. Sempre achamos que os brasileiros são abertos à criatividade e a fazer as coisas de forma diferente. Mas sabíamos que haveria um momento certo para vir para cá. Então esperamos com muita paciência.
Como isso aconteceu?
O Carlos (Jereissati, membro do conselho do Iguatemi) nos procurou. Sentimos que ele tem um espírito muito parecido com o nosso. Viemos, visitamos todos os shoppings e achamos que o Iguatemi era a escolha perfeita para nós.
O que faz deste o momento certo para vir ao Brasil?
É uma questão de sinergia e acaso. É difícil dizer exatamente por que agora. Nunca sei explicar o motivo. Não temos um plano de cinco anos ou uma estratégia de longo prazo. Gostamos de seguir o fluxo. Quando as coisas acontecem e tudo aponta para a direção certa na hora exata, analisamos como nos sentimos a respeito. É algo muito intuitivo. Então não é que agora seja o momento pela situação em que o Brasil se encontra ou em que nós nos encontramos. As coisas simplesmente se alinham de uma forma quase aleatória que faz sentido instintivamente.
“É sempre uma reação. Ela se alimenta da raiva contra o sistema.”
Você já esteve aqui antes?
Sim, há 20 anos.
Em São Paulo mesmo?
Sim, por apenas um dia. Foi um pequeno desvio em uma viagem de Tóquio para Paris.
Viu algo marcante?
Lembro da arquitetura. Eu amo arquitetura. Amo o Oscar Niemeyer. E gosto do aleatório, do caótico. Acreditamos muito na junção de elementos aleatórios para criar um lindo caos. E São Paulo tem essa sensação de caos bonito.
Como vai funcionar a operação da loja? Sei que será operada pela iRetail, do grupo Iguatemi. É a primeira vez que vocês trabalham assim?
Não, já estamos acostumados, porque não somos uma empresa grande. Temos escritórios apenas em Londres, Paris, Nova York e Tóquio. Para abrir lojas na Ásia ou na América do Sul, precisamos trabalhar com parceiros locais. Então não é a primeira vez. Temos parceiros em Hong Kong, China, Tailândia, Singapura e Coreia. Sempre trabalhamos com parceiros – mas com os parceiros certos. Não conseguimos fazer diretamente. O parceiro conhece melhor o mercado do que nós. Sem isso, levaria muito tempo.
Looks do verão 1997 da Comme des Garçons.
Foto: Getty Images
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Mas a Comme des Garçons, como empresa, está sempre muito envolvida em tudo o que faz. Especialmente Rei Kawakubo.
Ou ela faz tudo, ou nos deixa fazer. Não existe meio-termo. Mas quando ela confia que encontramos o parceiro certo, ela nos dá liberdade, não interfere. Ela nos deixa fazer o que acreditamos ser certo. É como se fechasse os olhos caso a gente cometa algum erro (risos). Mas no fim, o dia tem um número limitado de horas, e ela não pode fazer tudo.
Em 2004, antes de todo mundo falar e investir em circularidade, vocês lançaram as guerrilla stores para reaproveitar o estoque morto da marca. Como surgiu essa ideia?
Eu estava com a Rei em Berlim, a cidade estava cheia de energia. Tinha muita gente jovem alugando espaços por 200 dólares por mês e criando suas próprias coisas. Estávamos comendo em um restaurante vietnamita chamado Monsieur Vuong, e falamos: “Temos todo esse estoque, por que não encontramos alguns desses jovens, pegamos alguns desses espaços e damos esse material para eles trabalharem?”. Estava tudo parado, não fazia sentido manter aquilo. E não queríamos destruir. Então, criamos regras, porque guerrilla precisa de regras – anarquia não funciona. Fizemos nossos 10 mandamentos: os colaboradores não podiam vir da moda, os clientes não podiam gastar mais de 1.000 dólares… A ideia surgiu assim.
Todas eram em cidades onde a Comme des Garçons não tinha loja?
Sim. Com algumas exceções. Fizeram uma Singapura e queriam que fizéssemos outra em Hong Kong, mas a gente disse que era demais. A ideia era abrir em cidades não ligadas à moda. Ou, se fosse uma cidade da moda, em áreas não associadas à moda.
Isso também acontece com as lojas fixas da Comme des Garçons, não?
Frequentemente, sim. Mas nem sempre. Depende se a cidade comporta esse tipo de loja-destino. Nova York comporta. Londres, não. Tóquio, também não. E, se está no centro (do comércio de moda), tem que ser incomum.
Comme des Garçons, verão 2012.
Foto: Getty Images
Podemos esperar algo incomum na loja brasileira?
É difícil, porque estamos em um shopping. Queremos respeitar o jeito brasileiro de consumir. Não podemos ir contra a cultura local.
Quando você falou sobre as guerrilla stores, mencionou a colaboração com jovens criativos ou empreendedores. Você é ótimo em descobrir talentos novíssimos, como a Youth Balaclava e a Liberal Youth Ministry. Como você encontra essas pessoas?
De várias formas. É muito por acaso. A Liberal Youth Ministry é um bom exemplo. Ele (Antonio Zaragoza, fundador da etiqueta mexicana) me mandou uma DM no Instagram. Ou eu mandei para ele, não lembro. A marca tinha outro nome antes, algo como Weimar Republic. Não sei como apareceu para mim, talvez ele tenha me marcado em alguma postagem. Enfim, perguntei quem ele era e disse que gostaria de o conhecer. Isso acontece muito graças a Dover Street. Lá, temos todo tipo de marca. E estamos pesquisando o tempo todo. Você precisa se manter curioso.
Você viu alguém ou alguma marca interessante aqui no Brasil?
Ainda não encontramos muitas pessoas. Chegamos no domingo, não é um dia muito agitado. E estávamos bem ocupados. Mas sei que tem muita gente desenvolvendo seus próprios projetos por aqui. Um dos nossos amigos aqui é o Samuel de Saboia. Ele é um artista.
E agora um cantor também.
Você conhece ele?
Nos conhecemos faz algum tempo.
Onde?
Temos amigos em comum, mas não lembro exatamente onde nos encontramos pela primeira vez. Talvez em uma festa no Teatro Oficina
Ah, sim. Ele é festeiro.Você também, imagino.
Já fui mais. (Risos) Você diria que o apoio e suporte ao desenvolvimento de marcas de jovens criativos, como aconteceu com Junya Watanabe em 1992, faz parte da cultura da Comme des Garçons?
Sim. Mas nada é planejado. Junya trabalhava com a gente, e a Rei viu que ele tinha um talento específico. Ela estava pensando em como crescer a empresa e sugeriu que ele fizesse sua própria marca. A gente não gosta de crescer na vertical, ter tudo – fábrica, loja. Preferimos crescer horizontalmente. Por isso temos 17 marcas. É um crescimento orgânico. Junya foi o primeiro. E foi um sucesso. O mesmo acontece na Dover Street. Quando vemos potencial em uma marca jovem e gostamos das pessoas, ajudamos na produção, no financiamento. É uma forma de expandir. Mas não queremos ser donos de ninguém. É uma via de mão dupla. Eles nos ajudam tanto quanto nós ajudamos eles. Isso é o que gostamos. No fim, se a pessoa não se sente livre ou independente, não funciona a longo prazo.
“Quando o mercado está aquecido, ficamos iguais. Quando há recessão, também. Não subimos nem descemos, porque temos um público fiel e firme.”
Você mencionou as 17 marcas do grupo. Como elas se complementam e se conectam?
Cada uma tem sua própria estratégia. Cada uma tem uma história. A Play, por exemplo – a do coração – não esperávamos que fosse tão grande. Era uma ideia de design. A Rei tinha um conceito: “Nenhum design é design”. Por isso, só tem o coração. E por isso também, nunca expandimos a linha. Não fazemos calças ou meias.
Mas fizeram um tênis.
Levamos três anos para convencê-la.
E ela escolheu um tênis bem clássico.
É um Chuck Taylor clássico. Desde que ela sinta que é algo sem design, que o design é o coração, tudo bem.
A marca principal tem um público muito específico, o que tem seus benefícios e suas limitações. Como é manter essa postura, ainda mais em um momento em que tudo parece demais e hiperbólico?
É necessário. Não se trata de ser difícil ou fácil. Rei é do contra. Então, quanto mais banal a moda fica, mais ela quer fazer o oposto. Tem uma história famosa de quando estávamos em Nova York, nos anos 1990. Ela viu que tinha uma loja da GAP em cada esquina, e as roupas nas vitrines eram todas pretas. Ela pensou: “Por que está tudo preto? Eu que trouxe o preto. Antes, era cor de luto, agora está em todo o lugar. E tão banal”. Ela achou que era seu fim, mas aí fez a coleção Dress Meets Body (verão 1997, com volumes nada anatômicos). Anos mais tarde, fez outra toda branca (verão 2012). É sempre uma reação. Ela se alimenta da raiva contra o sistema. Ela acha o sistema injusto, dominado por grandes empresas. E essa raiva vira criação. Então sim, é difícil. Mas é uma necessidade para ela. É seu motivo de existir.
Comme des Garçons, verão 2025.
Foto: Getty Images
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O mercado de luxo vem sofrendo com quedas no ritmo e volume de consumo, com algumas marcas se saindo melhor do que outras. Como você analisa a situação?
Isso não nos preocupa. Quando o mercado está aquecido, ficamos iguais. Quando há recessão, também. Não subimos nem descemos, porque temos um público fiel e firme. Por que a Hermès está indo bem e a Gucci mal? Não nos interessa. Nem sei, na verdade. Acompanho as notícias, claro, mas isso não influencia o que fazemos. Não vamos mudar nada por conta desses resultados.
Existe toda uma comunidade em torno da Comme des Garçons ao redor do mundo. Como pretendem trabalhar isso aqui no Brasil?
Isso é para vocês descobrirem. Acreditamos que há um enorme potencial aqui. As pessoas que conhecemos são independentes, livres. Todos fazem suas próprias coisas. E há um grande senso de comunidade local também. Acho que fomos feitos uns para os outros. É um casamento que queríamos há muito tempo. Claro, o Iguatemi tem seus clientes importantes, e eles são muito importantes para nós. Mas acreditamos que o potencial vai além. Queremos nos abrir. Estar abertos para todos que tiverem interesse.
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