Não há um dia em que se entre numa rede social sem topar com uma receita ou um vídeo vendendo o tal morango do amor: morango, brigadeiro branco e calda de caramelo tingida de vermelho. O nome reciclado da maçã de festa junina agora batiza sobremesas em cafeterias, potes personalizados e entregas por aplicativo. A Folha já ensinou como fazer em casa, para quem quiser entrar na onda sem pagar entre R$14 e R$20 por unidade.
A lógica desses modismos é conhecida. Primeiro vieram as paletas mexicanas, entre 2014 e 2016. Depois os cupcakes e naked cakes, que dominaram festas entre 2016 e 2018. O mini bolo vulcão estourou por volta de 2020. Em 2023, foi a vez do pistache, presente em doces, cafés e sorvetes. Agora, em 2025, o morango do amor circula em vídeos e cardápios, o Labubu aparece nas bolsas de influencers e o Bobbie Goods, livro de colorir com estética nostálgica, virou mania entre jovens. Essas modas não surgem porque o produto é tecnicamente melhor. Elas ganham tração quando parecem estar em todo lugar e crescem justamente por isso.
Em um experimento, o sociólogo Matthew Salganik mostrou que, quando as escolhas dos outros são visíveis, sucessos culturais se tornam mais desiguais e imprevisíveis. Os participantes ouviam músicas de bandas desconhecidas e escolhiam quais baixar. Nos grupos em que era possível ver os downloads anteriores, alguns hits emergiam rapidamente, outros desapareciam. O curioso é que os sucessos variavam entre os grupos, mesmo tendo acesso as mesmas músicas. O que impulsionava a popularidade era a impressão de que muita gente já tinha gostado. A lógica do “deve ser bom, já que está todo mundo nessa”.
Esse tipo de comportamento é conhecido como cascata de informação. Alguém adere, o outro copia, não porque gostou, mas porque viu. O terceiro já segue a fila sem pensar muito. A decisão vira contágio. É esse efeito de reforço coletivo que ajuda a explicar por que certos produtos ganham atenção desproporcional. Um doce com morango e leite condensado existe em qualquer padaria. Mas só um recebe nome afetivo, rótulo de desejo e vídeos.
No caso da comida, há também o fator logístico. O modismo só vinga se houver insumo disponível e margem para escalar. O pistache virou febre porque já havia estrutura pronta para distribuí-lo e adaptá-lo a receitas. O morango, além de estar na safra, é barato, versátil e carrega um apelo afetivo fácil de embalar com nomes chamativos. As cafeterias sabem disso. Os algoritmos também.
Esse sucesso repentino também obedece a uma lógica concreta de valor percebido. Um estudo de Andretti, Vieites e Eduardo Andrade mostra que, entre consumidores de menor renda, o critério mais relevante na escolha de um alimento não é saúde nem sofisticação, mas sim a saciedade. Alimentos vistos como mais reforçados ou capazes de sustentar por mais tempo tendem a atrair, especialmente quando usam ingredientes familiares. O morango do amor acerta em cheio nesse ponto. Combina visual chamativo com leite condensado e morango fresco, dois elementos que já fazem parte do imaginário afetivo e alimentar de boa parte da população. Não exige tradução nem experimentação.
O preço, embora alto para uma sobremesa simples, incentiva também a reprodução caseira e a revenda, o que amplia ainda mais a circulação da moda.
O filósofo Lars Svendsen observa que a moda é, em parte, uma tentativa de dar forma visível a uma identidade desejada. Mas no fundo, diz ele, é também uma resposta ao tédio. Modas explodem porque oferecem, por um instante, a sensação de estar em sintonia com algo maior. Um sinal de pertencimento, de atualização, de estar no ritmo certo.
Por isso não basta um produto ser bom ou bonito. Ele precisa parecer inevitável. Quando chega nesse ponto, o sabor importa menos do que a possibilidade de postar, comentar ou repetir. O morango do amor talvez já esteja no fim do ciclo. Alguma sobremesa, objeto ou peça de roupa virá depois. Não porque será melhor, mas porque parecerá novo.
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