Brasília – 1º de agosto de 2025 – Diante do aumento expressivo das tarifas de importação anunciadas pelos Estados Unidos sobre produtos estratégicos, o governo brasileiro iniciou uma consulta formal à Câmara de Comércio Exterior (Camex) para avaliar a viabilidade de abrir uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC). A medida do governo norte-americano, batizada informalmente de “tarifaço Biden”, afetou diretamente setores industriais de países emergentes, incluindo o Brasil, que teme prejuízos bilionários na balança comercial.
Segundo fontes do Palácio do Planalto e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou “preocupação direta” com os impactos da medida e solicitou à equipe econômica uma análise detalhada das repercussões sobre exportações brasileiras, especialmente no setor siderúrgico, de alumínio e de bens tecnológicos com elevado valor agregado.
A Camex, órgão vinculado ao MDIC, é responsável por coordenar as políticas de comércio exterior do Brasil e agora está encarregada de emitir parecer técnico e jurídico sobre a eventual violação das regras da OMC. Um relatório preliminar deve ser apresentado até o final de agosto, segundo apurou a reportagem.
Tarifas de até 100%
As novas alíquotas anunciadas pelos EUA afetam produtos como aço, alumínio, semicondutores, baterias de lítio, painéis solares e veículos elétricos. O objetivo declarado da Casa Branca é proteger a indústria americana contra a concorrência da China, mas países como Brasil, Índia e México alertaram para o risco de “efeitos colaterais” sobre economias que mantêm relação comercial direta com os EUA sem fazer parte da guerra comercial sino-americana.
A taxação sobre alguns itens chega a 100%, como é o caso de veículos elétricos e painéis fotovoltaicos com componentes chineses, o que já gerou críticas por parte de empresas brasileiras que exportam partes e peças fabricadas com matéria-prima importada da Ásia.
Brasil busca diálogo, mas estuda reação
Em entrevista à imprensa nesta quinta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que o Brasil “está aberto ao diálogo com os Estados Unidos”, mas deixou claro que “todas as medidas cabíveis serão estudadas para proteger a indústria nacional”. Segundo Haddad, um eventual processo na OMC ainda está em fase de estudo, e a Camex foi acionada para garantir que qualquer passo seja tomado com respaldo técnico.
“Queremos saber até que ponto as tarifas violam os princípios da OMC, especialmente o da nação mais favorecida e o da previsibilidade. A Camex vai nos dar esse diagnóstico com base nas normas multilaterais”, afirmou Haddad.
O Itamaraty, por sua vez, já acionou os canais diplomáticos em Washington para solicitar esclarecimentos formais sobre os critérios utilizados para aplicar as tarifas. O Ministério das Relações Exteriores reforçou que o Brasil não aceita ser prejudicado por medidas protecionistas de terceiros países e defenderá seus interesses no âmbito multilateral.
Indústria nacional já sente impacto
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou nota oficial em apoio à iniciativa do governo, afirmando que o “tarifaço” coloca em risco exportações brasileiras de alto valor agregado e ameaça postos de trabalho em segmentos estratégicos. “O Brasil precisa reagir com firmeza e responsabilidade, usando todos os instrumentos previstos no sistema multilateral de comércio”, diz o documento.
A Associação Brasileira da Indústria do Alumínio (ABAL) informou que os contratos com empresas norte-americanas estão sendo renegociados às pressas e que, caso as tarifas entrem plenamente em vigor, o setor poderá registrar retração de até 15% nas exportações em 2025.
Histórico de disputas na OMC
O Brasil tem experiência consolidada em litígios comerciais na OMC. Um dos casos mais emblemáticos foi contra os subsídios ao algodão por parte dos EUA, em 2002, que terminou com vitória brasileira e direito a retaliações comerciais. Outro exemplo é a disputa com a União Europeia sobre o açúcar, também vencida pelo país.
Segundo especialistas, o novo caso envolvendo o tarifaço de 2025 exigirá uma análise técnica detalhada, já que os EUA alegam segurança nacional e equilíbrio competitivo como justificativas — argumentos controversos no sistema da OMC, mas já usados com sucesso por Washington em disputas anteriores.
Próximos passos
Caso a Camex recomende a abertura da disputa, o Brasil deverá primeiro solicitar consultas formais junto à OMC. Se não houver acordo, o país poderá abrir um painel, etapa equivalente a um julgamento comercial internacional.
O processo pode levar de dois a três anos, mas, segundo técnicos do governo, “apenas a abertura de um painel já teria efeito político e econômico importante”, ao pressionar os EUA e chamar atenção da comunidade internacional para os impactos da medida.
Enquanto isso, o governo Lula também estuda medidas emergenciais de apoio aos setores mais afetados, como linhas de crédito específicas via BNDES, desoneração de insumos importados e estímulo à diversificação de mercados externos.