“A República Tecnológica: Tecnologia Política e Futuro do Ocidente”, de Alexander C. Karp e Nicholas W. Zamiska, é um manifesto pela aplicação maciça da tecnologia de software e inteligência artificial (IA) pelo Estado, principalmente nos setores militar e de segurança pública.
Se há quem considere tal postura ousada —ou até nefasta— em demasia, ela de todo modo levanta questões fundamentais num mundo inflamado por guerras, grandes ondas migratórias, ascensão de líderes populistas, polarização política, crise das democracias liberais, cerceamento da liberdade de expressão no ambiente online e a expansão acelerada de dispositivos de IA.
Karp e Zamiska iniciam a obra com um diagnóstico: a atual geração de brilhantes engenheiros dos EUA está desancorada de qualquer propósito nacional e cria maravilhas tecnológicas para consumo individual. O Vale do Silício tornou-se um parque de diversões hedonista dedicado a atender demandas triviais (aplicativos, jogos, delivery de comida), em vez de trabalhar em projetos de interesse público e nacional.
É inegável que há uma potência ética na argumentação. Exige-se que inovadores busquem algo além de performance ou lucro. Exige-se um compromisso com a sociedade. Ao considerar setores como saúde, ou educação, poucas pessoas discordariam dessa demanda. Mas Karp e Zaminska se concentram na controversa área militar, e foi desse enfoque que vieram muitas das críticas ao livro.
Karp é empresário do ramo de tecnologia —ponto interessante, já que se trata, portanto, de uma crítica interna. No entanto sua empresa, a Palantir, fundada com investimentos da CIA, presta serviços de informática em segurança e defesa para o governo americano. A terceira parte do livro, inclusive, é dedicada à descrição do trabalho organizacional inovador da Palantir.
Não à toa, apontou-se que a obra lança mão do artifício da “profecia autorrealizável”. Ao se basear na certeza de que inimigos dos EUA estão desenvolvendo velozmente armas com IA, o livro afirma a necessidade urgente de investir nesse tipo de uso da tecnologia. Assim, governos e indústrias podem intensificar uma corrida armamentista de modo artificial e precipitado. Seria possível considerar que a intenção da narrativa é preventiva, não belicista, mas seu tom alarmista não contribui para essa interpretação.
Os autores parecem romantizar de forma anacrônica o contexto da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, quando ciência e Estado estavam de mãos dadas em iniciativas como o Projeto Manhattan, que produziu as bombas atômicas que dizimaram Hiroshima e Nagasaki, e a Nasa, cuja pesquisa levou a grandes avanços em diversas áreas, não apenas em engenharia aeroespacial ou defesa.
Alianças entre governos e tecnólogos, de fato, são capazes de incrementar a proteção dos cidadãos e impulsionar desenvolvimento material, mas o livro carece de discussão aprofundada sobre direitos civis, justiça, transparência ou riscos éticos na aplicação militar da IA. Ao mesmo tempo que os autores criticam a ingenuidade de movimentos pacifistas —com certa razão, dado que a história humana é a história da guerra—, acabam soando ingênuos com uma confiança extrema no setor de defesa.
A história mostra os perigos. Projetos da CIA e do Exército americano nos anos 1950 e 1960, como MK Ultra e o realizado no Arsenal de Edgewood, partiram do mesmo senso alarmista de que a URSS estaria desenvolvendo armas psicoquímicas. Milhares de soldados foram usados como cobaias em testes com LSD e drogas ainda mais potentes que desencadeavam psicoses, infringindo princípios éticos da pesquisa científica.
Não se trata de tecnofobia, mas de cautela. No geral, porém, o livro apresenta trabalho corajoso e relevante, ao convocar mentes inovadoras para o serviço ao bem comum e ao sugerir que o risco não é o avanço técnico em si, mas sua separação completa do espírito público. Mesmo com excessos e omissões, contribui para o inescapável debate sobre tecnologia, cultura, segurança e destino político do Ocidente.