A nova rodada de tarifas impostas pelos Estados Unidos ao Brasil deveria servir de alerta. Não apenas pelos prejuízos diretos aos exportadores atingidos, mas pela oportunidade política que oferece. Em vez de uma indignação protocolar, seria o momento de discutir com seriedade o papel da abertura comercial na estratégia de desenvolvimento. Essa discussão, mais uma vez, está sendo evitada.
A medida do presidente Trump é explicitamente política. A carta enviada ao governo brasileiro, pedindo o arquivamento do julgamento de Bolsonaro, escancara o uso de tarifas como instrumento de pressão diplomática. Mas o impacto vai além da disputa simbólica. Essa ofensiva poderia ser usada como impulso para uma defesa mais clara de uma inserção internacional ampla e coordenada.
As evidências sobre os ganhos do comércio são consistentes. Países que reduziram barreiras de forma estruturada costumam registrar aumento de produtividade, queda de preços e maior acesso a insumos e tecnologias.
A abertura amplia a variedade de produtos, acelera a difusão de inovações e funciona como disciplina econômica. Quando combinada a políticas macroeconômicas estáveis e instituições eficazes, ela contribui para o crescimento de longo prazo e para o aumento do bem-estar da população. Embora os ganhos agregados sejam evidentes, os custos setoriais também são reais e exigem respostas à altura.
Em toda abertura comercial há setores que ganham mais e outros que perdem. A questão central não é se os benefícios existem, mas como os países lidam com os efeitos redistributivos dessa transição.
O caso americano é ilustrativo. Entre 1990 e 2007, a exposição à concorrência chinesa gerou impactos significativos em regiões industriais dos Estados Unidos.
O estudo de David Autor, David Dorn e Gordon Hanson mostra que esses locais registraram queda persistente no emprego, aumento do desemprego de longo prazo e estagnação salarial. A mobilidade geográfica e ocupacional, muitas vezes assumida como automática nos modelos econômicos, mostrou-se limitada.
Em vez de reinserção produtiva, o que se observou foi um crescimento na dependência de programas como o seguro por invalidez. Ainda assim, ao contrário do que prega o presidente Trump, a economia americana como um todo se beneficiou do comércio global, com ganhos expressivos de produtividade, inovação e renda.
A Índia passou por algo semelhante. Petia Topalova analisou os efeitos da liberalização tarifária dos anos 1990 e encontrou aumento da pobreza em distritos mais expostos à abertura. Os ganhos nacionais foram reais, mas não impediram que certos grupos perdessem. Onde existiam políticas públicas de apoio, como o NREGS, os efeitos foram suavizados. Onde faltavam essas medidas, o choque comercial aprofundou desigualdades.
Esses estudos não negam os benefícios do comércio internacional. Pelo contrário, reforçam que os ganhos existem, mas alertam para os riscos de se ignorar seus efeitos concentrados. A abertura amplia a eficiência e a competitividade da economia, mas pode gerar perdas localizadas que, sem resposta adequada, minam sua legitimidade política. Quando os custos são negligenciados, cresce a resistência, e a agenda empaca.
No Brasil, a defesa da abertura permanece frágil. Falta clareza na comunicação de seus efeitos positivos e, sobretudo, um plano coordenado para enfrentar os impactos adversos. Continuamos a aplicar tarifas elevadas em setores pouco produtivos, com baixa integração a cadeias globais. O resultado é uma política cara, ineficiente e incapaz de produzir os ganhos esperados de uma economia mais aberta.
O tarifaço de Trump abriu uma janela para discutir de forma mais estratégica a integração comercial do Brasil. No entanto, sem coordenação entre liberalização e políticas compensatórias, a oportunidade pode passar sem gerar avanços.
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