“A esperança é muito perigosa. Melhor desistir de tudo.” Essa frase não é minha, é o avesso do que penso. Ela vem do italiano Franco “Bifo” Berardi, um dos pensadores mais contundentes deste mundo à revelia (junto com Yuk Hui).
Bifo junta-se agora à tradição pessimista de autores como Emil Cioran, que mostram que em tempos de crise o pessimismo pode ser um passaporte para o realismo (o diagnóstico de Cioran sobre a Rússia em 1956 parece ter sido feito hoje!).
A visão de Bifo é um contraponto ao imperativo aceleracionista que busca retomar projetos grandiosos (“build, baby, build”) e está na moda. A ideia é articulada tanto por Peter Thiel quanto por Ezra Klein, em seu novo livro “Abundance: How We Build a Better Future (and a Manifesto for a New Left)”.
Note que apesar de Thiel e Klein habitarem espectros políticos diametralmente opostos, ambos concordam no diagnóstico: é preciso construir, acelerar, eliminar burocracias, voltar a ter ambições capazes de gerar avanços monumentais em todas as áreas: tecnologia, saúde, agricultura, espaço, infraestrutura e assim por diante.
É nesse lugar que Bifo entra com sua ducha de água fria. Seu último livro chamado “Disertare” foi traduzido para o inglês como Quit Everything! (“Desista de Tudo!”). E faz jus ao título. Bifo prega que em um mundo de barbárie, crise democrática e solidão, o caminho não é construir, mas sim desistir.
Bifo prega uma deserção individual e coletiva: do trabalho, do consumo, da participação cívica, da reprodução. Ao fazer isso, ele dá sentido político a fenômenos que já estão ocorrendo, mas que vinham sendo observados apenas de forma isolada. Por exemplo, os hikikomori no Japão. Pessoas que voluntariamente se retiram da vida social e vivem isoladas dentro do quarto (hoje mais de 1,5 milhão). Ou ainda, aqueles que aderem ao Tang Ping (躺平,ficar deitado) na China, pessoas que se recusam a trabalhar, abdicando da cultura de competição e consumo. Ou os milhões de “nem-nem” no Brasil, que nem estudam nem trabalham (gastando o que tem em bets).
E a recusa mais profunda de todas: a de se reproduzir. Vista na prática na queda de 53% da fertilidade desde 1950. Hoje, 66% da população mundial vive em países cuja fertilidade está abaixo da taxa de reposição da população. Na visão de Bifo tudo isso integra o que ele chama de “deserção”.
Ao analisar a relação de tudo isso com a tecnologia, ele responde de forma intrigante: “a esquerda interpretou a tecnologia completamente mal. Reduziram-na a uma mera ferramenta. Os sindicatos e a esquerda consideraram a tecnologia como um inimigo: é preciso defender os empregos contra a tecnologia. Com isso aconteceu o contrário: hoje em dia as pessoas trabalham mais por menos dinheiro. A automação poderia ter sido uma oportunidade de reduzir o trabalho. Mas foi transformada apenas em ferramenta para aumentar lucros e expandir o consumo. O problema não é a automação, mas a incapacidade antropológica e cultural de redefinir os objetivos sociais, que deveriam ser: trabalhar menos e reduzir o consumismo. Mas a frugalidade nunca foi considerada pelo movimento operário”.
Mesmo discordando frontalmente da desistência proposta por Bifo, está aí um programa que parece auspicioso: trabalhar e consumir menos. Tal como o lótus, de águas turvas e pantanosas vem um broto de otimismo.
Já era – Brasil sem universidades no top 100 mundial
Já é – Universidade de Buenos Aires na frente de todas brasileiras
Já vem – País ficando mais para trás
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