Eram 22h06 quando a Câmara dos Deputados, com o plenário vazio e sem presença da imprensa, aprovou o aumento no número de deputados federais de 513 para 531. Foram 361 votos favoráveis e 36 contrários, em apenas 15 minutos. A aprovação relâmpago e sem diálogo é mais um sintoma de um Congresso pouco transparente e aprofunda a crise do parlamentarismo sem responsabilidade fiscal, já alertada por Fernando Henrique Cardoso ainda no início dos anos 2000.
Ao vetar a proposta por sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o presidente da República seguiu entendimento semelhante ao da opinião pública: 76% dos brasileiros são contrários ao aumento no número de deputados, segundo o Datafolha.
O projeto de lei nº 177/2023 passou sob o argumento de cumprir decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que determinou a redistribuição das cadeiras da Câmara em razão de mudanças demográficas. Na prática, isso deveria significar que alguns estados ganhariam assentos, enquanto outros teriam suas bancadas reduzidas. Mostrando-se mais uma vez incapaz de votar algo contrário aos próprios interesses, o Congresso optou por driblar a decisão e simplesmente criar 18 novas vagas, sem qualquer análise séria de impacto orçamentário e mantendo as distorções atuais.
O texto final aprovado tentou conter a reação negativa prevendo um congelamento de despesas da Câmara entre 2027 e 2030, incluindo limites para verbas de gabinete, cotas parlamentares e outros benefícios. Ainda assim, como alertou o Centro de Liderança Pública (CLP) em nota, “estudos empíricos sobre essa relação destacam que o aumento do número de legisladores geralmente leva a maiores gastos públicos e impostos”. Mais grave ainda seria o efeito cascata, com o aumento do número de cadeiras também nas assembleias legislativas estaduais, que é sempre o triplo da representação do estado na Câmara.
É preciso considerar ainda o agravamento da captura do orçamento pelo Congresso. Hoje, as emendas parlamentares já consomem quase um terço do orçamento público. Para a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora da Universidade de Lisboa, no contexto problemático de execução de emendas parlamentares sem qualquer transparência ou rastreabilidade, “com o maior número de deputados, a gente vai ter mais problemas”, pois os parlamentares “vão continuar querendo mais poder sem serem responsabilizados”
Na última quarta-feira (13) mesmo, a Câmara aprovou a indicação de como serão gastas as emendas parlamentares de comissão ao Orçamento “sem qualquer debate, informação de para onde vai o dinheiro ou publicidade sobre quem são os padrinhos políticos das verbas”, como noticiou esta Folha. Nem os próprios parlamentares tiveram acesso aos valores totais antes de mais uma votação feita às pressas.
Em suma, a tentativa impopular do Congresso desafia o STF ao manter a sub-representação dos estados historicamente já prejudicados, agrava a fragmentação partidária e fomenta mais irresponsabilidade fiscal por parte do Legislativo. “É dever da sociedade civil pressionar pela manutenção do veto presidencial, garantindo que esse debate ocorra às claras, com participação social, dados e transparência e não para perpetuar distorções”, afirma Arthur Mello, coordenador de advocacy do Pacto pela Democracia.
Em um momento de grave desequilíbrio fiscal, o Congresso deveria dar o exemplo e reduzir custos, não os ampliar. Aumentar cadeiras sem enfrentar os gargalos de transparência aprofunda um sistema em que os parlamentares concentram mais poder sem prestar contas à sociedade. A medida caminha na direção oposta à que o Brasil precisa agora.
É responsabilidade das lideranças da Câmara e do Senado respeitar o clamor da maioria dos brasileiros, evitar novos retrocessos e manter o veto presidencial.
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