Após o motim de deputados bolsonaristas que tomou conta do plenário da Câmara dos Deputados, a Casa aprovou, nesta terça-feira (19), o requerimento de urgência de um projeto que altera o regimento interno para suspender por até seis meses, de forma sumária, o mandato de deputados que obstruam fisicamente as atividades legislativas ou cometam agressão física.
A urgência teve 266 votos a favor e 114 votos contrários, além de uma abstenção. A votação do mérito estava prevista também para esta terça, mas acabou adiada após resistência de parte dos deputados porque o texto amplia os poderes do presidente da Casa.
O projeto é de autoria da Mesa Diretora, presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB), e foi protocolado nesta terça-feira. Segundo integrantes da Mesa, a regra não vai retroagir para punir os amotinados —será aplicada apenas da sua aprovação em diante.
A ideia, segundo o texto, é dar instrumentos para que o presidente da Câmara possa agir com urgência nessas situações, adotando o rito sumário de suspensão do mandato por até seis meses e, em seguida, haveria a análise do caso pelo Conselho de Ética.
A regra prevê, inclusive, que o afastamento cautelar possa ser aplicado pelo presidente sem o aval prévio de toda a Mesa Diretora, composta por sete deputados, que poderia confirmar a medida posteriormente.
Esse ponto, especificamente, levantou o debate no plenário —mesmo partidos de esquerda, como PSOL e PC do B, demonstraram preocupação com a concentração de poder do presidente.
O líder do Novo, Marcel Van Hattem (RS), afirmou que, com a medida, Motta seria “o braço da ditadura sentado na cadeira de presidente, tentando punir deputados que fazem a obstrução legal e regimental”.
Em resposta às críticas de deputados, Motta afirmou que não tem interesse em “hipertrofiar poderes da presidência”.
Durante a votação, ele disse que o motim bolsonarista foi grave, que momentos como aquele “não podem e não vão se repetir” e que o projeto é uma demonstração de que “devemos ser enérgicos”.
Ele declarou, contudo, que o texto é uma ideia inicial que poderia ser negociada e que não haveria necessidade de votá-lo nesta terça ou quarta (20). “Pode-se conversar com os partidos, mas algo precisa ser feito”, completou.
“Estamos tendo movimentos completamente desequilibrados, só vamos conseguir controlar isso se tivermos sobre a Mesa a condição de punir e sermos pedagógicos com quem não cumprir o regimento”, disse o presidente da Câmara.
“O PL é contrário a essa decisão. É importante que toda a esquerda fique atenta ao que está acontecendo”, afirmou o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB).
Já o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), indicou apoio. “O que houve aqui há duas semanas é inadmissível, vários deputados tinham que ter sido suspensos imediatamente.”
Com o projeto, Motta tenta se precaver em relação a novas derrotas na Mesa Diretora da Casa, que acabou forçando o presidente, na semana passada, a não adotar o rito sumário para punir os bolsonaristas amotinados.
O projeto também funciona como prevenção diante da expectativa de acirramento na Casa no contexto do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no processo da trama golpista. O STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu que o julgamento terá início no próximo dia 2.
O projeto inclui no código de ética dois atos que atentam contra o decoro parlamentar: praticar agressão física nas dependências da Câmara e “impedir ou obstaculizar, por ação física ou por qualquer outro meio que extrapole os limites do exercício regular das prerrogativas regimentais, o funcionamento das atividades legislativas”.
Motta havia sinalizado que aplicaria a punição sumária a deputados que se recusaram a desocupar a Mesa mesmo após ele ter convocado uma sessão na noite do último dia 6.
O presidente, no entanto, acabou vencido pelos outros integrantes da Mesa, que preferiram enviar as denúncias contra os amotinados feitas por outros deputados e partidos à Corregedoria da Casa, seguindo o trâmite normal dos processos, que pode levar meses. O revés ampliou o desgaste de Motta.
Nos bastidores, a derrota de Motta é vista como forte sinal de que dificilmente haverá apoio partidário para punições severas no Conselho. Há nesse colegiado, por exemplo, quatro parlamentares que participaram do motim.
A Mesa enviou à Corregedoria representações de partidos contra 14 parlamentares bolsonaristas: Zé Trovão (PL-SC), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Marcos Pollon (PL-MS), Julia Zanatta (PL-SC), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Nikolas Ferreira (PL-MG), Zucco (PL-RS), Caroline de Toni (PL-SC), Carlos Jordy (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF), Domingos Sávio (PL-MG), Marco Feliciano (PL-SP) e Allan Garcês (PP-MA) —que, junto de outros deputados bolsonaristas, ocuparam o plenário por mais de 30 horas em reação à prisão domiciliar de Bolsonaro.
Além deles, também está no órgão uma representação do PL contra Camila Jara (PT-MS), acusada de agredir Nikolas Ferreira durante o motim.
Trovão, Van Hattem e Pollon estavam entre os principais entraves que Motta encontrou no percurso entre seu gabinete e a retomada do comando da Casa.