As grandes empresas de tecnologia se aliarão a praticamente qualquer pessoa disposta a resistir à regulamentação que ameace seu modelo de negócios, que prospera com o conteúdo viral mais extremo. O apoio bajulador do Vale do Silício a Donald Trump é um exemplo disso.
Mas na semana passada, os americanos tiveram uma visão única de um dos defensores mais veementes das big techs no exterior. Nigel Farage, líder do partido populista de direita Reform do Reino Unido, apareceu na reunião do Comitê Judiciário da Câmara para alertar os americanos sobre os perigos da Lei de Segurança Online do Reino Unido, que ele alega estar transformando a Grã-Bretanha —que a Repórteres Sem Fronteiras classifica entre os 20 principais países na proteção da liberdade de expressão— em um estado de censura semelhante à Coreia do Norte.
Farage argumentou que a lei, que basicamente trata de manter a pornografia infantil e o extremismo político violento fora da internet, “prejudicará o comércio entre nossos países, ameaçará a liberdade de expressão em todo o ocidente devido aos efeitos em cascata desta legislação, seja nossa ou da União Europeia” e até mesmo fará com que americanos viajando para o Reino Unido sejam presos. “É uma ameaça potencialmente grande para os chefes de tecnologia [e] para muitos, muitos outros”, ele afirma.
É difícil ver Farage, que uma vez expressou admiração por Vladimir Putin e que criticou publicamente os protestos pró-Gaza no Reino Unido, como um farol do liberalismo. Mas pode-se dar crédito a ele por estar preocupado com os oligarcas tecnológicos dos EUA. Os objetivos dele e deles se alinham muito bem. Populistas de direita em toda a Europa querem destruir a capacidade do Reino Unido e da UE de regular grandes plataformas tecnológicas —uma medida que poderia ameaçar suas campanhas de desinformação com debate político genuíno.
Trump e seu governo querem ajudar esses aliados enquanto sustentam as grandes empresas de tecnologia que impulsionam o mercado de ações efervescente dos Estados Unidos. Se os mercados quebrarem, ele também estará acabado.
Esses dois objetivos atingem seu ápice na cruzada da administração contra a Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês) da Europa que, como a Lei de Segurança Online, visa conter o extremismo político, o crime e a fraude online. Em julho passado, os republicanos da Câmara emitiram um relatório intitulado “A Ameaça da Censura Estrangeira: Como a Lei de Serviços Digitais da União Europeia Impõe a Censura Global e Viola a Liberdade de Expressão Americana”. O documento tem vários pontos de discussão que me lembram o que ouvi nos últimos 20 anos de lobistas de tecnologia que buscam usar a primeira emenda como forma de se proteger de qualquer responsabilidade pelos danos causados por seu modelo de negócios.
O relatório contém uma série de exemplos enganosos sobre como a Lei de Serviços Digitais funciona, o que provocou protestos de vários acadêmicos e grupos da sociedade civil tanto nos EUA quanto na Europa. Jamie Raskin, o membro democrata de maior ranking do Comitê Judiciário da Câmara, divulgou um documento corrigindo as declarações falsas, incluindo a noção de que a interferência russa nas eleições é um mito (não é), e que a DSA matará o debate político na Europa (as ações da Lei de Serviços Digitais contra conteúdo ilegal representam menos de 0,001% do que é removido; na verdade, a maior parte da moderação é feita voluntariamente pelas próprias plataformas). Dezenas de acadêmicos de destaque também enviaram uma carta aos líderes da Câmara defendendo a DSA e desmentindo alegações de que ela é uma ferramenta para censura.
Raskin, que destruiu Farage na sessão do Comitê Judiciário da Câmara na semana passada, apontando suas várias hipocrisias e mudanças de posição sobre o assunto, observou que “Donald Trump e o Sr. Farage afirmam ser protetores da liberdade de expressão, mas só querem proteger o discurso com o qual concordam”. Justo: lembre-se que os republicanos em geral e o próprio Trump criticavam constantemente as big techs durante os anos de Obama e Biden, quando pareciam mais alinhadas com interesses democratas.
Quando perguntei a Raskin por telefone se ele está mais preocupado com o populismo de direita nos EUA e na Europa, ou com o poder dos oligarcas das big techs, ele respondeu: “Não é uma proposição de um ou outro. Enquanto a força motriz por trás da campanha de ‘liberdade de expressão’ são as grandes empresas de tecnologia dos EUA [e seus lobistas], a questão está sendo explorada por Trump, Farage e outros direitistas”, que querem dividir tanto americanos quanto europeus.
A solução, diz Raskin, é a “solidariedade democrática transnacional”. Ele quer que pessoas de todos os partidos e países que acreditam em normas democráticas trabalhem juntas, dado que Trump e os titãs da tecnologia estão travando uma batalha global para permitir que as plataformas americanas dominem. Veja as instruções de Trump em agosto para diplomatas americanos na Europa construírem uma campanha de oposição à DSA em seus países, e as ameaças do secretário de Estado Marco Rubio de proibir vistos para aqueles que “censuram” o discurso de americanos.
Claro, as mensagens mais claras sempre vêm da boca do cavalo. Em uma postagem nas redes sociais em 25 de agosto, Trump ameaçou aumentar as tarifas sobre qualquer país que ouse regular as big techs. “Vou enfrentar países que atacam nossas incríveis empresas de tecnologia americanas. Impostos digitais, legislação de serviços digitais e regulamentações de mercados digitais são todos projetados para prejudicar ou discriminar a tecnologia americana… As empresas de tecnologia americanas não são mais nem o ‘cofrinho’ nem o ‘capacho’ do mundo. Mostrem respeito aos EUA e às nossas incríveis empresas de tecnologia ou considerem as consequências!”
Nem uma palavra aqui sobre liberdade de expressão, mas muito sobre proteger os lucros das big techs.