Scott Jacqmein, ator de 52 anos em Dallas, no Texas, recebe uma ou duas mensagens por semana de conhecidos que pensam tê-lo visto promovendo produtos no TikTok. Entre eles, uma marca de seguros, um app de horóscopo e um outro de quebra-cabeças. Neste, ele aparecia falando espanhol fluentemente.
Mas algo parecia estranho. Ele não tinha barba, e seus gestos e sua voz pareciam artificiais —e Jacqmein não fala espanhol.
Na verdade, ele não atuou em nenhum desses vídeos.
Os anúncios foram feitos usando seu “avatar digital”, gerado por inteligência artificial, depois que ele licenciou sua imagem para o TikTok no ano passado. Agora, uma versão de Jacqmein circula na internet, promovendo o que anunciantes desejarem, desde que esteja dentro das regras da plataforma.
Era o que Jacqmein havia aceitado, mas agora que ele vê seu avatar no mundo real, se arrepende.
“Não sou contra IA nem contra o TikTok”, disse Jacqmein em entrevista. Ele explica que buscava impulsionar a carreira e achava que trabalhar com uma grande plataforma ajudaria. “Mas você realmente não entende as consequências disso.”
O TikTok lançou no ano passado um menu de avatares de IA para estrelar anúncios em vídeo que aparecem de forma integrada no feed da plataforma.
A imagem de Jacqmein é uma entre várias que anunciantes podem escolher, de acordo com idade, gênero ou etnia desejada para o porta-voz do produto. Isso coloca atores em território desconhecido e, às vezes, frustrante, forçando-os a lidar com a perda de controle sobre suas imagens.
Alguns receberam pouco dinheiro pelo uso de suas imagens. Até agora, o projeto parece ser vantajoso para o TikTok, propriedade da chinesa ByteDance, que deve faturar mais de US$ 10 bilhões em publicidade nos Estados Unidos por ano.
Jacqmein, que estava em transição para a carreira de ator após atuar na enfermagem, recebeu US$ 750 (R$ 4.050) e uma viagem a San Francisco pelo trabalho.
Compare o ator real (à esq.) com versão gerada por IA (dir.) no TikTok
Scott Jacqmein licenciou sua imagem para o app e pode aparecer promovendo produtos que sequer conhece
– The New York Times
Ele trabalhou com uma agência externa, que disse estar coletando imagens para avatares usados em publicidade do TikTok por um ano. Jacqmein e outro ator disseram que a agência não mencionou que os avatares poderiam ser usados em outros aplicativos da ByteDance, como o de edição de imagens. Na época, parecia uma boa oportunidade.
Tracy Fetter, artista plástica e comediante amadora, recebeu menos de US$ 1.000 pelo mesmo trabalho. Outro ator, que pediu anonimato, disse que seu avatar foi usado em anúncios considerados constrangedores, incluindo para um suplemento voltado ao público gay, no qual seu avatar declarava suas preferências sexuais. Ele mostrou documentos comprovando pagamento de US$ 500.
Os atores não recebem royalties quando seus avatares são usados.
Os avatares são ferramentas gratuitas para empresas criarem campanhas no TikTok, onde anunciantes podem gastar de US$ 20 a milhares de dólares por dia.
Jacqmein, agora representado por um agente, disse que gostaria de ter negociado mais dinheiro ou estabelecido limites sobre produtos que seu avatar poderia promover. “A tecnologia evolui mais rápido que os contratos, e eles recrutam atores iniciantes sem representação para sua rede de avatares”, afirmou.
Ele e outros atores disseram que a agência deu a entender que receberiam royalties quando os avatares fossem usados.
“Em um cenário de IA dinâmico e em constante evolução, mantemos rigoroso controle sobre nossos produtos de anúncios e parcerias para proteger transparência e segurança”, disse um porta-voz do TikTok. “Quando agências não atendem aos nossos padrões, encerramos essas parcerias.”
Avatares digitais —criados do zero ou a partir de imagens de atores— são cada vez mais usados na publicidade. A Vogue causou polêmica ao apresentar uma modelo totalmente gerado por IA em anúncios da Guess. Executivos de marketing afirmaram que a tecnologia acelera campanhas e reduz custos de viagens e permissões.
Grandes plataformas de tecnologia oferecem ferramentas sofisticadas de criação de anúncios com IA. O Google Workspace, por exemplo, promoveu avatares de IA como ferramenta para criar vídeos corporativos sem a necessidade de câmeras ou coordenação presencial.
Os vídeos do TikTok têm etiquetas pequenas indicando que o vídeo é gerado por IA, mas parecem depoimentos reais. Jacqmein aparece como “Steve” nas ferramentas de anúncios e pode ser colocado em diversos cenários, como banheiro, sala ou cozinha.
Executivos do TikTok destacaram a ferramenta em conferência em Cannes, França, em junho, afirmando que avatares de IA são úteis para pequenas empresas, que podem não ter tempo ou dinheiro para contratar atores profissionais.
Especialistas dizem que pagamentos são baixos comparados a valores de atores comerciais. Rafael Villegas, diretor da Kim Dawson Agency, disse que atores sem representação ganham de US$ 300 a US$ 1.000 por comerciais, enquanto atores representados podem receber mais de US$ 2.500.
A maioria dos anúncios é discreta e dificilmente detectada pelos atores. Mas os que falaram ao New York Times esperavam que os avatares fossem usados apenas no TikTok. Ficaram surpresos ao saber que contratos permitiam uso em outros aplicativos da ByteDance, como CapCut.
Anunciantes também contornam regras, usando avatares fora do TikTok, mesmo com etiquetas de IA. Jacqmein ficou surpreso ao ver seu avatar no Facebook, Instagram e YouTube —recentemente promovendo um suplemento, violando termos do TikTok. O vídeo foi removido após uma reclamação.
O TikTok afirmou que modera anúncios com tecnologia e revisão humana. Diretrizes da plataforma proíbem serviços sexuais, palavrões, discurso de ódio e violência, garantindo que imagens de atores não sejam mal usadas.
Jeanne Fromer, professora de direito da propriedade intelectual na Universidade de Nova York, disse ser impossível prever todos os usos da imagem de alguém. Os artistas provavelmente têm pouco recurso legal caso não gostem de como aparecem.
“Eles podem fazer o avatar expressar crenças contrárias às suas, anunciar produtos que considerem de mau gosto ou representar personagens que não querem interpretar. É preciso estar disposto a aparecer na maioria dos contextos.”
Tarzo, uma empresa de tecnologia publicitária em Tel Aviv, em Israel, usou avatares do TikTok no último ano e achou mais rápido e barato que trabalhar com atores.
“Você pode testar roteiros e apresentadores em massa rapidamente”, disse Yaniv Moore, CEO da Tarzo. “Um avatar pode falar todas as línguas do mundo.”
Por enquanto, pequenas falhas que diferenciam os avatares dos atores reais são um alívio para eles. Jacqmein disse que seu avatar não tinha sua “energia grisalha” porque ele precisou raspar a barba para a gravação, e a tecnologia não conseguia gerar os pelos corretamente na época.