A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de impor novas restrições ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reforça um ponto de tensão entre o aspecto formal da lei e a margem de discricionariedade do magistrado para aplicá-la.
Na segunda-feira (4), Moraes decretou a prisão domiciliar do ex-presidente em vez da preventiva, em regime fechado. Também o proibiu de receber visitas, a não ser de advogados e pessoas autorizadas, e de usar celular, diretamente ou por meio de terceiros.
Advogados e professores de direito ouvidos pela Folha divergem sobre a escolha do ministro de decretar a prisão domiciliar em vez da preventiva. Também há crítica sobre a imposição de medidas restritivas não previstas de forma expressa na legislação.
Coordenador do curso de direito da ESPM-SP, Marcelo Crespo diz que qualquer pessoa no lugar de Bolsonaro já estaria presa. Via de regra, quando se entende que houve descumprimento de cautelar, revoga-se a medida e decreta-se a prisão preventiva.
Moraes mandou o ex-presidente para a domiciliar por considerar que ele violou a proibição de uso de redes sociais, diretamente ou por meio de terceiros, após participar por videochamada de atos neste domingo (3) e ter mensagem divulgada nas plataformas.
“Neste caso, no meu entender, ele [Alexandre de Moraes] está sendo mais cauteloso do que normalmente os magistrados seriam, porque já haveria o espaço pela interpretação de que a cautelar foi descumprida, para revogação e decreto de prisão”, afirma Crespo.
De acordo com o professor, “juridicamente, essa decisão dele não é uma decisão questionável. Ela está sendo até um pouco mais cautelosa no sentido de, primeiro, ir para prisão domiciliar do que efetivamente já ter decretado uma prisão preventiva do Bolsonaro”.
Maíra Salomi, vice-presidente da Comissão de Direito Penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), afirma que, sob uma ótica tecnicista, Bolsonaro deveria ter sido preso preventivamente, embora avalie que Moraes ficou sem saída diante das pressões externas.
A advogada diz que a domiciliar não constitui uma medida autônoma, ou seja, não pode ser determinada por si só. Na prática, ela só pode ser decretada como substituição à prisão preventiva, quando presentes os requisitos para isso.
O Código de Processo Penal elenca as hipóteses nas quais ela pode ser decretada, como em casos de gestantes, maiores de 80 anos e mulheres com filho de até 12 anos ou extremamente debilitado por motivo de doença grave. Nenhuma dessas situações foi analisada na decisão.
“O ministro relator preferiu trazer mais um instrumento [a prisão domiciliar] que está previsto no código, embora não nessa situação específica, para poder evitar um encarceramento”, diz. “Agora, é uma medida ilegal. Ela é preferível a uma prisão preventiva, mas ela não é prevista como uma medida autônoma, então ela não é correta nos termos como aplicado.”
Ao mesmo tempo, restrições como retenção de celular e proibição de redes sociais impostas pelo ministro também não têm previsão legal expressa. É o que aponta o advogado Renato Vieira, ex-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
“No processo penal, medidas cautelares, sejam patrimoniais, sejam pessoais, dependem de expressa previsão legal, porque sempre será uma intervenção mais ou menos castradora da liberdade de uma pessoa”, afirma o advogado.
Há um debate antigo, e não restrito ao STF, sobre a possibilidade de o juiz pode adotar uma medida mais branda para evitar a prisão mesmo sem previsão expressa. Vieira rejeita essa corrente, mas observa que o caso em questão não foge à regra.
“Isso não é uma característica específica deste processo”, afirma o advogado. “Não significa por si só uma perseguição contra alguém, reflete um entendimento que está disseminado”.
Em nota, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro afirmou ser “preocupante a escalada nas restrições impostas às liberdades de quem ostenta a condição de réu e de investigado”. O texto é assinado pela presidente da ordem no estado, Ana Tereza Basilio, e pelo presidente da Comissão de Estudos do Direito Penal da OAB-RJ, Ary Bergher.
“Em investigações criminais em curso é necessário prudência no uso de medidas restritivas às liberdades, sobretudo na sua imposição de ofício, a bem do Estado de Direito. De igual modo, o devido processo legal criminal é personalíssimo e não admite sanções por atos de terceiros. Devemos todos obediência às disposições da Constituição, sob pena de enfraquecimento das liberdades públicas e dos direitos fundamentais”, diz o texto.