Empresas de mídia estão correndo para encontrar maneiras de enfrentar a ameaça do chamado “Google Zero” —a queda acentuada no tráfego da internet que muitos executivos do setor temem acontecer após o lançamento de ferramentas de inteligência artificial na plataforma nos Estados Unidos.
No fim de julho, a versão mais recente das ferramentas de IA do Google foi lançada no Reino Unido, depois de já ter chegado aos EUA, levando alguns editores a alertar que o declínio já visível no tráfego vindo do buscador corre o risco de se acelerar.
O Modo IA do Google fornece respostas detalhadas até para consultas mais complexas no topo dos resultados, ampliando os já existentes AI Overviews, que resumem conteúdos sem a necessidade de clicar nas páginas de origem. [O recurso deve chegar ao Brasil nas próximas semanas.]
“Como todos, nós definitivamente sentimos o impacto dos AI Overviews. Existe apenas uma direção em curso; não apenas as IAs estão melhorando, mas estão melhorando de forma exponencial”, disse Sean Cornwell, presidente-executivo da Immediate Media, dona das marcas Radio Times e Good Food no Reino Unido.
“Está indo em uma única direção, e temos que assumir que as quedas serão bem acentuadas em algum momento nos próximos anos.”
Segundo relatório de maio da Enders e da Professional Publishers Association (PPA), grupos de mídia estavam “perdendo visibilidade e valor, já que seu conteúdo é usado mas não recompensado”, com cerca de metade relatando queda no tráfego de buscas no último ano.
Os AI Overviews estavam canibalizando as visitas, disse a Enders, com quatro em cada cinco consumidores recorrendo a “resultados de busca sem clique” em pelo menos 40% de suas pesquisas.
Outros estudos recentes do Pew Research Center e da Authoritas mostraram que usuários do Google estavam menos propensos a clicar em links quando havia um resumo de IA nos resultados. O Google afirmou que havia “falhas fundamentais” na metodologia dos relatórios.
A associação americana Digital Content Next disse que sua mais recente pesquisa com membros mostrou que o tráfego de referência médio do Google Search para publishers premium caiu 10% em maio e junho em comparação ao ano anterior.
Neil Vogel, presidente-executivo da People, maior publisher digital e impressa dos EUA, disse que o “Google Zero” era a “estrela-guia” da estratégia do grupo ao pensar em como os leitores encontrariam e acessariam seus artigos no futuro.
Vogel falou no momento em que a editora anunciou estar se rebatizando de Dotdash Meredith para People Inc, para refletir seu título mais forte e conhecido. Seu jornalismo era “feito por pessoas, para pessoas, não somos sintetizados, e não somos artificiais”, disse.
As referências vindas do Google já tinham caído nos últimos cinco anos de cerca de 65% para perto de 30% do tráfego mesmo antes do lançamento dos AI Overviews e do Modo IA, segundo Vogel.
Alguns editores que dependiam de leitores encontrando seus artigos via Google alertaram que os “cliques” também estavam diminuindo no Reino Unido após o lançamento dos Overviews, disse Sajeeda Merali, presidente-executiva da Professional Publishers Association.
O Modo IA e os Overviews podem cobrir parte do que os publishers de lifestyle vinham usando para gerar tráfego, segundo Merali, como recomendações e ajuda em temas como jardinagem.
Um editor automotivo que investe em conteúdos detalhados de comparação de carros relatou uma queda de 25% no tráfego para artigos que apareciam em primeiro lugar nas buscas orgânicas, segundo a PPA, apesar de um aumento de 7% em visibilidade nas pesquisas.
“Dado que a ferramenta oferece menos links, acho que isso só pode ser ruim [para os editores]. O Modo IA é apenas uma extensão do problema”, disse.
Jason Kint, da Digital Content Next, afirmou que para os publishers isso significa “menos leitores, menos impressões de anúncios e menos conversões de assinaturas”.
O Google discorda. Executivos da empresa se reuniram com publishers no fim de julho, segundo participantes, e argumentaram que os cliques em páginas de resultados com Overviews eram de “maior qualidade” —com usuários mais propensos a passar mais tempo nos sites.
Em um post neste mês, o Google disse que o volume total de cliques orgânicos do buscador para sites estava relativamente estável em relação ao ano anterior, enquanto a qualidade média dos cliques aumentou.
“Embora o tráfego geral para sites esteja relativamente estável, a web é vasta, e as tendências de usuários estão deslocando tráfego de alguns sites para outros, resultando em quedas em alguns e aumentos em outros”, disse Liz Reid, chefe do Google Search.
O Google disse em comunicado ao FT que direciona “bilhões de cliques para sites todos os dias de forma consistente e não observamos quedas significativas no tráfego agregado da web, como está sendo sugerido.”
Independentemente da extensão do impacto dos Overviews e agora do Modo IA, editores se preparam para um futuro em que o Google será menos crucial para seus sites.
Piers North, presidente-executivo da Reach, grupo dono dos jornais Mirror e Express no Reino Unido, disse que “está claro que há uma mudança em curso” no futuro do tráfego de buscas. “Estamos atentos à necessidade de nos preparar para o que alguns chamam de Google Zero ou, certamente, um futuro diferente do ecossistema de buscas que impulsionou a internet nos últimos 25 anos.”
Ele disse que a meta era ter um “ecossistema diverso de referências, fortalecer nossos acessos diretos, nossas audiências diretas… e usar a força de uma rede diversificada de públicos para reduzir a dependência de qualquer fonte individual”.
Alguns publishers também estão buscando novas formas de gerar receita, como por meio de eventos ao vivo e conferências.
Cornwell, da Immediate Media, disse que a diversificação de receitas era fundamental para contrabalançar a queda no tráfego de buscas, construindo uma relação direta com os leitores por meio de assinaturas digitais lançadas em conteúdos de gastronomia, Radio Times, história e jardinagem.
Ele também está desenvolvendo autores dentro das publicações como “marcas” confiáveis por si mesmas, transformando o grupo em algo mais próximo de uma “fábrica de talentos”.
“Para quem tem 35 anos ou menos, ou seja, a Geração Z e os millennials, é muito óbvio que eles não têm muita lealdade ou não seguem marcas. Quem eles seguem é o talento individual”, disse.
Cornwell também apontou que o impacto das ferramentas de busca com IA parece variar dependendo do tipo de conteúdo e de publicação, com marcas confiáveis e líderes de categoria levando vantagem.
Além disso, certas categorias —como o conteúdo mais noticioso da Radio Times— não pareciam aparecer nos Overviews, acrescentou.
“Conteúdos perenes, como um guia sobre como cozinhar um ovo, plantar rosas ou o que aconteceu com Henrique 8º… isso é muito fácil para um AI Overview responder.”
Henry Faure Walker, presidente-executivo da Newsquest, editora de jornais locais no Reino Unido, disse que pelo menos o jornalismo noticioso era menos afetado, dada a dificuldade de reproduzir reportagens “hiperlocais” em comparação com tópicos perenes, como recomendações.
O grupo ainda está apreensivo quanto ao futuro, à medida que as ferramentas de IA evoluem. “O essencial é gerar tráfego direto”, disse.
Vogel, da People Inc, afirmou que a empresa estava encontrando outras formas de ganhar dinheiro com leitores —assinaturas, referências vindas de redes sociais e newsletters, licenciamento e uso do Apple News como plataforma. “Conseguimos compensar isso com mil coisas diferentes —em termos de audiência, estamos bem.”
Vogel disse que o grupo precisava produzir material “realmente atraente para as pessoas, de modo que elas queiram voltar —o mundo não precisa de mais conteúdo medíocre”.
“Eu realmente gosto das nossas chances. Eu gosto de nós em um mundo pós-Google… temos apenas que olhar para trás, para o mundo pré-Google. Como as marcas de mídia eram construídas? Era preciso se conectar diretamente com as pessoas… [mas] se, como editor, você só está percebendo isso agora, você já está morto. Já era.”