Num voto que tanta satisfação levou aos réus da trama golpista, o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), incluiu um presente que nem os mais esperançosos bolsonaristas imaginavam receber.
Ele não apenas chamou os atos de 8 de janeiro de 2023 de vandalismo, sem relação com um golpe de Estado, como os comparou a alguns momentos históricos delicados para a esquerda.
Espanando o pó do acervo nacional de escândalos, citou o caso dos “aloprados”, que está prestes a completar 20 anos.
A pilha de dinheiro vivo encontrado com coordenadores da campanha presidencial de Lula de 2006 não teve o impacto histórico do mensalão ou da Lava Jato, mas representou uma nódoa na imagem do presidente, derrubou o comando do PT e chegou brevemente a ameaçar sua reeleição.
“Apareceu uma montanha de dinheiro que foi recolhida por aloprados. Não se sabe a autoria”, lembrou o ministro em seu voto.
Outro mergulho no túnel do tempo e chegamos a 2013, quando o Brasil foi apresentado aos “black blocs”, grupos de vândalos que encerravam manifestações “contra tudo” com quebra-quebra de agências bancárias, lojas e estações de metrô.
Eles voltaram a dar as caras nos atos contra a Copa do Mundo de 2014. Justa ou injustamente, acabaram sendo associados muito mais à esquerda radical do que à direita, que ainda era um movimento político incipiente, numa era distante em que Bolsonaro era apenas um deputado do baixo clero
Hoje felizmente relegados a uma nota de rodapé da história, os black blocs acabaram resgatados pelo voto do ministro.
“Nenhum desses casos, oriundo dessas manifestações políticas violentas, se cogitou de imputar aos seus responsáveis os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, que repetia a disposição de tentar mudar, por violência ou grave ameaça, o Estado democrático de Direito”, disse.
Fux poderia ter citado outros exemplos, completando assim a lista de equivalências morais normalmente apresentada pela direita.
Em 2006, pouco antes do caso dos aloprados, um grupo ligado a um obscuro movimento de sem-terra invadiu a Câmara dos Deputados, causando grande destruição.
Em 2017, manifestantes atearam fogo em prédios da Esplanada dos Ministérios contra reformas do governo Michel Temer. O então presidente, considerado “golpista” pela esquerda, teve de chamar militares para controlar a situação.
Nenhuma dessas manifestações, no entanto, reunia pessoas que tinham como projeto derrubar o governo de ocasião, como era o delirante desejo dos participantes do 8 de Janeiro.
Também não reuniam defensores da ditadura ou do fechamento de instituições que são pilares do sistema democrático. Nem os arruaceiros que atacaram o Congresso em 2005 falavam em fechá-lo.
Fux, assim, fez um enorme favor ao bolsonarismo ao adotar por seu valor de face a comparação entre os atos de 2023 e os anteriores.
Com seu voto doutrinariamente denso, voz empostada e ar de gravidade, o ministro deu respaldo jurídico ao que até hoje era basicamente uma tese de redes sociais de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Tudo indica que Fux será uma voz isolada na Primeira Turma, embora não tão solitária assim no conjunto do Supremo.
Importa menos, nesse caso, seu voto único entre os cinco que julgam os bolsonaristas, e mais o acolhimento dele a teses que poderão ser usadas futuramente por aliados do ex-presidente para buscar algum tipo de nulidade do processo.
Uma delas é que para Fux, uma vidraça quebrada é sempre uma vidraça quebrada, sendo irrelevantes a motivação e, sobretudo, o objetivo final de quem lança o tijolo.