Na leitura de seu voto nesta terça-feira (9) para condenar Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus da trama golpista, o ministro Flávio Dino disse que o ex-presidente foi o líder de uma organização criminosa que agiu violentamente contra as autoridades e tentou o golpe de Estado, defendeu o apartidarismo do STF (Supremo Tribunal Federal) e manifestou apoio ao colega Alexandre de Moraes.
Dino também apresentou ressalva em relação aos ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e ao ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem —contra quem, segundo o ministro, há menos provas sobre a participação na trama nos meses finais do governo Bolsonaro.
Foi o segundo voto da Primeira Turma do tribunal no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado, apresentado após o voto de Moraes, relator do caso.
Leia abaixo algumas das principais frases do voto de Dino.
BOLSONARO E DEMAIS RÉUS
O ministro afirmou, em seu voto, que Bolsonaro e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa do ex-presidente em 2022, lideravam a organização criminosa, mas outros réus tinham participação menos importante.
Jair Bolsonaro tinha condição de figura dominante na organização criminosa. Ele e Braga Netto ocupam essa função. Eles tinham domínio de todos os eventos narrados no processo
Não é uma divergência propriamente, mas uma diferença que eu adianto em relação ao eminente relator [Moraes]. Em relação aos réus Jair Bolsonaro e Braga Netto, não há dúvida que a culpabilidade é bastante alta. E, portanto, a dosimetria deve ser congruente com o papel dominante que eles exerciam. Do mesmo modo, digo que a reprovabilidade, a culpabilidade é alta em relação a Almir Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid, sendo que em relação a Cid há os benefícios atinentes à colaboração premiada. Contudo, e essa é a diferença para a reflexão dos pares, em relação a Paulo Sérgio [Nogueira], Augusto Heleno e Alexandre Ramagem, eu considero que há uma participação de menor importância
APARTIDARISMO
Dino disse que o julgamento não tem as Forças Armadas como alvo e se presta, na verdade, à reflexão do conjunto das instituições de Estado para que se mantenham isentas e apartidárias.
Esse julgamento não é um julgamento das Forças Armadas. A soberania nacional exige Forças Armadas fortes, equipadas, únicas e autônomas
Não é normal que a cada 20 anos nós tenhamos eventos de tentativa ou de ruptura do tecido constitucional. Então, creio que, para muito além do julgamento criminal que nos cabe, não há dúvida que as considerações que constam da denúncia, das defesas, do julgamento, devem se prestar a uma reflexão do conjunto das instituições de Estado para que elas se mantenham isentas e apartidárias
Os acampamentos nas portas dos quartéis já passaram. E eu espero que jamais voltem a acontecer, inclusive por fruto da função preventiva geral do direito penal. Assim também como eu espero que nenhum militar vá para convescotes partidários utilizando a farda, por exemplo, para tecer considerações desairosas a tal ou qual posição política
Em defesa do Supremo, Dino afirmou que a corte já julgou políticos de todas as orientações políticas e citou um caso em que Lula (PT), que foi responsável por indicá-lo em 2023 à vaga que atualmente ocupa, teve um habeas corpus negado em 2018.
O Supremo já julgou políticos de todas as posições partidárias-ideológicas. Outro dia julgou o Mensalão, e isso foi um fato ordinário na trajetória do Supremo. Esse tribunal negou habeas corpus ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e parece que numa abordagem clubística, que eu lamento que profissionais do direito às vezes adiram, quando o árbitro de futebol marca o pênalti para o meu time, ele é o melhor do mundo. Se ele marca para o outro time, ele passa a ser o pior do mundo. Só que o árbitro é o mesmo e as regras as mesmas
VIOLÊNCIA
Em seu voto, Dino afirmou que a investigação mostrou que a tentativa de golpe de Estado não foi apenas cogitada, colocada em cadernos, mas foi acompanhada de “atos executores” violentos.
Houve uma invasão violenta da Esplanada [dos Ministérios]. As pessoas chegaram na Praça dos Três Poderes porque elas enfrentaram a polícia, estava nos autos. E não existe forma de enfrentar a polícia a não ser com violência. Eu não conheço nenhum caso na literatura em que manifestantes chegaram para policiais e disseram ‘por favor, eu vou romper esse cerco policial e trouxe flores e chocolates e bombons’ e os policiais abrem o cerco
O nome do plano não era Bíblia Verde e Amarela, era Punhal Verde e Amarelo, os acampamentos não foram em portas de igreja. Eu tenho uma fé religiosa profunda, entrei aqui no Supremo com dez santos, tenho mais de 50 agora, porque preciso deles, mas creio que se você está com o intuito pacifista… [Se] você tem uma irresignação, você vai à missa, vai ao culto, ou quem sabe até acampa na porta da igreja. Mas não, os acampamentos foram na porta de quartéis. E eu sei que se reza nos quartéis, mas sobretudo nos quartéis há fuzis, metralhadoras, tanques. Então, a violência é inerente a toda a narrativa que consta dos autos. Não cumprir ordens judiciais é uma violência
MORAES E SUPREMO
Dino usou seu voto para também manifestar apoio ao colega Alexandre de Moraes, criticado por uma suposta postura inquisidora como relator do processo e atingido por sanções do governo norte-americano após articulação de bolsonaristas junto ao governo Donald Trump.
Dino também rebateu comentários de bolsonaristas de que Moraes seria um ditador —quem fez mais recentemente a crítica foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
O juiz, disse o ministro Alexandre, não é uma samambaia. Achei uma alusão muito simpática e poética. Uma samambaia jurídica. Até porque a samambaia é uma planta frágil. E achei, portanto, que isso revela características suas, ao contrário do que dizem. Então, é uma planta humana, eu diria. Entre aspas, claro. É uma planta humanizada. Convive nos lares, nos jardins
Me espanto com alguém imaginar que alguém chega ao Supremo e vai se intimdar com tuíte. Será que as pessoas acreditam que um tuíte de um governo estrangeiro vai mudar um julgamento no Supremo? Será que alguém imagina que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar o julgamengo no Supremo? [Após Moraes dizer ‘ou o Pateta’] O Pateta aparece com mais frequência nesses eventos todos
Estamos aqui fazendo o que nos cabe, cumprindo o nosso dever, isso não é ativismo judicial, não é tirania, não é ditadura. Pelo contrário, é afirmação da democracia que o Brasil construiu sob o pálio da Constituição de 1988
Não há razão para acreditar que o Supremo é composto por juízes que querem praticar vingança ou serem ditadores, porque não é a tradição do Supremo. E quem chega aqui, chega com seu patrimônio de experiências, com sua trajetória, mas chega com um dever inscrito no peso da institucionalidade. Nós sabemos o tamanho dessa cadeira e ninguém está aqui para trazer nódoas a essa elevada tradição do Supremo