O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes traçou, nesta sexta-feira (1º), um paralelo entre a atual ofensiva no exterior comandada por bolsonaristas e as ações golpistas de 2022 e 2023, como os acampamentos a favor de uma intervenção militar e o 8 de Janeiro.
O magistrado tratou a investida a favor do tarifaço a produtos brasileiros pelos Estados Unidos e sanções a ele próprio e outros ministros como atos com o mesmo modus operandi de ações golpistas engendradas, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), por uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Antes acampamentos na frente dos quartéis, invasão na praça dos Três Poderes, para que com isso houvesse, como mais de 500 réus confessaram, a convocação da GLO [Garantia da Lei e da Ordem] e das Forças Armadas, gerando uma comoção nacional e aí houvesse a possibilidade do golpe”, disse.
“O modus operandi é o mesmo. Incentivo a taxações ao Brasil, incentivo à crise econômica, que gera crise social, que por sua vez gera crise política, para que novamente haja uma instabilidade social e a possibilidade de um novo ataque golpista.”
Para especialistas ouvidos pela Folha, a investida de bolsonaristas no exterior tem semelhanças com as ações que levaram ao 8 de Janeiro, com recado de Moraes a políticos como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que tem encabeçado a ofensiva nos Estados Unidos.
Os especialistas falam sobre a continuidade de ataques a ministros e na tentativa de insuflar a população contra as instituições, dessa vez com foco no apoio estrangeiro e o propósito de alcançar uma anistia.
A fala de Moraes se deu na sessão de abertura do semestre do Judiciário. Falaram também o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, o ministro Gilmar Mendes, Paulo Gonet, procurador-geral da República, e Jorge Messias, advogado-geral da União.
Os pronunciamentos se alinharam em defesa da soberania nacional e da independência do Judiciário. A manifestação foi uma resposta a recentes sanções dos Estados Unidos contra o Brasil e autoridades. As sanções são ligadas à pressão pela interrupção da ação penal que julga Bolsonaro por tentativa de golpe e são incentivadas, sobretudo, por Eduardo Bolsonaro.
Na sessão, Moraes falou da pressão também ao Legislativo. Ele fez referência a uma recente manifestação de Eduardo, que comentou a possibilidade de sanção pelos Estados Unidos ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), caso eles não pautem a anistia ou um pedido de impeachment do ministro.
“Ameaças diretas. ‘Ou vocês votam a anistia ou as tarifas vão continuar. Ou vocês votam a anistia ou vocês também terão aplicada a lei da morte financeira [Lei Magnitsky]’. Ameaças aos presidentes das Casas congressuais brasileiras sem o menor respeito institucional, sem o menor pudor, sem a menor vergonha, na explícita chantagem para tentar obter uma inconstitucional anistia”, afirmou Moraes.
O ministro associou as ações aos delitos de coação no curso do processo, obstrução e atentado à soberania, crimes pelos quais Eduardo é investigado em razão de sua atuação no exterior.
Para Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, a fala do ministro sobre a continuidade do golpe faz sentido ao mostrar a permanência do empenho em mobilizar a sociedade contra “espantalhos” e inimigos políticos.
“Jogar a população contra o Supremo, falar que o PIB do Brasil vai ser afetado e que desempregos vão ser criados por culpa de um juiz do STF é basicamente continuar insuflando a população”.
Welington Arruda, advogado criminalista e mestre em direito e Justiça pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), diz haver semelhança entre as ações no exterior e aquelas que levaram ao 8 de Janeiro.
Ele compara a lógica de ataques às instituições democráticas em 2022 com a atual “campanha massiva” de deslegitimação do STF, dessa vez mais apoiada na ofensiva de Eduardo no exterior.
Uma diferença, porém, é que bolsonaristas teriam agora menos recurso para acionar o mesmo modus operandi de descrédito das instituições junto à população, uma vez que já não detêm a máquina estatal para insuflar apoiadores contra autoridades.
Ele vê “uma tentativa de internacionalizar o impasse político e judicial por meio da pressão” de brasileiros no exterior.
“Há uma tentativa enorme de cooptar congressistas americanos para pressionar o Judiciário brasileiro. Há sanções econômicas contra o Brasil, com resultados reais em tarifas que vão prejudicar as exportações nacionais. Há também uma difusão de estratégias midiáticas para constranger os ministros e influenciá-los nos julgamentos penais”, diz.
Para Elaini Silva, doutora em direito internacional pela USP e professora da PUC-SP, a atual investida no exterior de Eduardo e aliados é uma escalada das ações anteriores de cunho golpista.
Ela fala que é comum na história política do Brasil a procura por parte de grupos nacionais pela parceria com interlocutores externos vistos como autoridade moral.
A diferença na atuação de Eduardo e aliados no exterior, entretanto, estaria na tentativa de atacar o ordenamento jurídico brasileiro para obter benefícios pessoais.
“O diferencial é que essas ações estão sendo tomadas para pessoas se evadirem da responsabilização pela prática de crimes em um contexto democrático —e com efeitos para toda a coletividade”, afirma.