Antes restrito à mesa de japoneses e descendentes, ou fãs radicais da culinária nipônica, o mochi ganhou o mundo. E não é modo de dizer. Duvida?
Em primeiro lugar no ranking The World’s 50 Best Restaurants, o peruano Maido tem mochi na sobremesa – recheado com um creme aveludado de zapallo loche (abóbora) evocando Nutella, no lugar do tradicional anko (pasta de feijão vermelho).
Ok, o chef Micha Tsumura, do Maido, tem pai nascido no Japão e viveu por lá, mas e o madrilenho Dabíz Muñoz? Eleito diversas vezes o melhor do planeta pelo Best Chefs Awards, o cozinheiro à frente do DiverXO traz um set de mochis ao final do menu degustação mais caro da Espanha. Tem mochi de tiramisù, baklava, croissant, torta de limão…
Em São Paulo, na Liberdade, dá para comprar versões de supermercado e devorar o ichigo daifuku (um morango do amor pioneiro, envolto em pasta de feijão azuki e na macia massinha de arroz glutinoso) no café Itigô-Itiê, no Nikkey Palace Hotel.
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Já tem até casamento de mochi com cookie. A Smoti, que já comercializava mochis de sorvete, acaba de lançar os Moti-Cookies, biscoitos feitos com farinha de arroz glutinoso, manteiga e açúcar demerara, crocantes por fora com recheio macio e elástico.
Moti-Cookies: crocante e puxa-puxa.
Foto: Divulgação
E isso é só uma amostra: aqui e lá fora, chefs famosos transcendem as guloseimas e acenam com receitas criativas.
O que é mochi?
Bom, para começo de conversa, deixemos claro: mochi é um bolinho de farinha de mochigome (grão de arroz glutinoso), água, amido (de milho ou batata) e açúcar, cozido e, então, pilado com cadência e firmeza, para garantir a inconfundível textura pegajosinha.
O quitute nasceu como oferenda aos deuses e se tornou moda entre a nobreza lá pelo século 10. Centenas de anos depois, adentrou a cerimônia do chá, tornou-se comida obrigatória de Ano Novo, em geral numa sopa, e, de símbolo de fartura, popularizou-se no cotidiano japonês.
Talvez popularizar seja um exagero, mas o item tem pipocado por aqui! Telma Shimizu, do Aizomê, por exemplo, faz para seu café na Japan House, na Avenida Paulista, o Mocheese.
Mocheese, servido no Aizomê Café, na Japan House.
Foto: Divulgação
“Meu acompanhamento preferido para o café é o pão de queijo. Usei o mochi para agregar o sabor e a textura diferenciada na receita, fazendo uma versão nipo-brasileira do pão de queijo, que ainda leva meia-cura Capim Canastra e um pouco de parmesão”. A porção tem uma dúzia de mocheezitos, mas poderia ter o dobro!
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Não longe dali, o Kureiji (forma dos japoneses pronunciarem “crazy”), nos Jardins, é o lugar das loucuras de Adriano Kanashiro. Depois de oito anos em Gana, o sushiman voltou cheio das ideias. Uma delas, o Chokoreto. Mezzo brownie, mezzo mochi, ela precisou de 22 testes até permitir que a farinha de arroz substituísse a de trigo, deixando a sobremesa livre de glúten. Grudentinha, ela é enriquecida com banana e chocolate Ruby e vem com calda de gergelim preto e sorvete caseiro de matcha com pistache.
Tang Yuan, do Mapu Baos.
Foto: Vanessa Rika
Os chefs Caio Yokota e Victor Valadão, por sua vez, gostam tanto da versatilidade e da consistência do mochi que incluíram o bolinho tanto no Mapu Baos quanto no Aiô. No primeiro, servem o Zhima Mochi (uma manta de arroz glutinoso sobre um sorvete de torta de queijo, pasta de gergelim preto, financier e crumble de amendoim) e o Tang Yuan (recheado com ganache de chocolate branco e acompanhado de sopa quente de milho doce, farofa de amendoim e pipoca caramelizada com chá preto).
Já no segundo restaurante, a dupla mantém um “fake mochi”. “A palavra mochi no Japão nem sempre se refere a doces que foram preparados com arroz glutinoso. Ela também pode se referir a algo que tenha uma textura macia, elástica ou mastigável”, ensina Vanessa Rika, chef confeiteira das duas casas.
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Nesse sentido, o Cǎo Méi (morango em mandarim) alia cubinhos de warabiko (amido de samambaia) e morango branco. “Estamos estudando e testando em conjunto como aplicar os amidos, pois em Taiwan temos diversos tipos de mochi, seja com base de polvilho doce, seja com batata doce também”, diz a pâtissière.
Sempre avant-garde, Tsuyoshi Murakami surpreendia há mais de uma década com mochis no Kinoshita. Quando o restaurante herdado do sogro migrou da Liberdade para a Vila Nova Conceição, Mura jogou ainda mais luz sobre a doçura que a esposa fazia em edições limitadas.
Vai daí que os mochis de Suzana viraram um item obrigatório nas degustações do chef. Tanto assim que, em seu primeiro voo solo, o Murakami, nos Jardins, levou a doçura junto.
Hoje separado, o casal segue a parceria. A receita de Suzana é o motor por trás da Motchimu, boutique especializada em mochis tocada pelo filho deles, Jun. Além disso, é o toque final da chamada Experiência Murakami com recheios de Ujicha Matcha (um dos melhores chás do mundo) e uísque.
Waffle de bluefin e foie gras, de Tsuyoshi Murakami.
Foto: Fernanda Meneguetti
Mais: o mochi protagoniza sua nova atração, o waffle de bluefin e foie gras. “A massa vem da loja do meu filho. Se eu grelhar mais do que isso, vira um biscoito, por isso o cuidado. E, por cima, ele leva essa clássica combinação de atum e foie gras”, explica o autor. Revolucionário, mas, por outro lado, continua como nos primórdios do mochi: é dos deuses.
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