Poucas inovações recentes despertam tanto fascínio e inquietação quanto a inteligência artificial (IA) generativa. No debate que circunda o tema globalmente, as previsões variam de aumento significativo de produtividade —expandindo as fronteiras de produção das economias– a temores de mudanças profundas em muitas carreiras e a possível redução em massa de empregos.
Segundo o estudo do FMI “Gen-AI: Artificial Intelligence and the Future of Work”, cerca de 40% dos empregos no mundo já estão expostos à IA. Nas economias avançadas, esse índice chega a 60%, em grande parte porque por lá predominam funções cognitivas, ou seja, atividades baseadas em conhecimento, gestão de processos, análise de dados e comunicação –áreas altamente suscetíveis à digitalização, podendo ser tanto substituídas quanto complementadas pela IA.
Já nos países emergentes, a exposição é menor, em torno de 40%, e nas economias de baixa renda, apenas 26%. O paradoxo escondido nessa assimetria é que os efeitos imediatos da IA no mercado de trabalho podem ser menos intensos nesses contextos, mas também servem como indicador de que esses países estarão menos preparados para capturar ganhos de produtividade com o uso da tecnologia.
Apesar do senso comum de que os jovens –mais adaptáveis e familiarizados com o digital– estariam propensos a se beneficiar da IA, enquanto os idosos enfrentariam maiores obstáculos de reemprego, requalificação e mobilidade, são justamente os jovens que vêm sofrendo com a dificuldade de encontrar emprego nos países desenvolvidos.
Nos Estados Unidos, em particular, embora o emprego agregado continue crescendo, o mercado de trabalho para jovens mostra sinais de estagnação.
A taxa de desemprego entre quem tem ensino superior saltou de cerca de 3,25% em 2019 para 4,59% em 2025, um aumento de 1,34 ponto percentual, acima da média geral do mercado. Dados da OCDE mostram que, nesse mesmo período, a taxa global de desemprego entre pessoas na faixa dos 15 a 24 anos subiu 1,2 p.p, enquanto no Reino Unido aumentou 2,5 p.p.
Segundo uma pesquisa da High Fliers Research, apenas 27% dos britânicos recém-formados haviam conseguido emprego até fevereiro deste ano, contra 33% dois anos antes. Outro estudo da Universidade Stanford –que analisou milhões de registros de folha de pagamento nos Estados Unidos– mostra que jovens de 22 a 25 anos em ocupações mais expostas à IA, como desenvolvedores de software e atendentes de call centers, perderam espaço no mercado de trabalho desde o fim de 2022, enquanto seus colegas mais experientes nessas mesmas funções permaneceram empregados.
A explicação sugerida pelos autores é de que a IA substitui mais facilmente o conhecimento codificado –aquele adquirido em livros, cursos e treinamentos formais, típico dos profissionais em início de carreira. Já o conhecimento tácito, acumulado com a experiência prática, continua difícil de ser replicado pelas máquinas, funcionando como uma barreira de proteção para os mais experientes.
Outro resultado importante é a diferença entre os usos da IA. Nos casos em que a tecnologia automatiza tarefas, substituindo diretamente o trabalho humano, o emprego de jovens cai.
Já quando a IA aumenta a produtividade dos profissionais, servindo como ferramenta de apoio, não há perda de postos e, em alguns casos, há até expansão. Isso mostra que a forma como a tecnologia é incorporada é determinante: enquanto a substituição elimina vagas, a complementaridade pode preservá-las ou até ampliá-las.
O estudo também destaca a ausência de impacto imediato sobre salários. Embora a o volume de empregos para funções expostas tenha caído, os salários médios não apresentaram reduções relevantes, sugerindo que, no curto prazo, a IA pode ter um efeito mais relevante sobre o nível de emprego do que sobre a remuneração.
Diante desse cenário, a questão central é mitigar os impactos negativos. O estudo do FMI mostra que, ao contrário da automação clássica, a IA generativa atinge sobretudo trabalhadores altamente qualificados.
Esse grupo, porém, está mais bem posicionado para colher os ganhos de produtividade, visto que profissionais com ensino superior tendem a se adaptar mais rápido, absorver novas competências digitais, desempenhar tarefas mais variadas e ter maior acesso a conexões profissionais e programas de requalificação –o que aumenta as chances de uma transição bem-sucedida. Ou, seja, investir em educação é mais importante do que nunca.
Fato é que a transição tecnológica exige políticas públicas que apoiem trabalhadores deslocados. Isso significa investir não só em requalificação contínua, mas também em redes de proteção social mais eficazes.
Um bom exemplo vem de Singapura: o programa SkillsFuture Credit, que oferece créditos universais para cursos de capacitação ao longo da vida, sem distinção de renda, idade ou situação profissional. A ideia é garantir que a adaptação às mudanças trazidas pela IA seja inclusiva e duradoura, evitando que grupos inteiros sejam deixados para trás.
No caso do Brasil, a capacidade de enfrentar esse desafio é limitada por fatores estruturais: o baixo nível de qualificação da mão de obra e o estreito espaço fiscal. Embora o país destine uma parcela significativa do PIB à educação –proporcionalmente ao tamanho da nossa economia, gastamos mais do que a média dos países da OCDE–, o retorno desse investimento é baixo.
Nesse ritmo, nosso sistema educacional não conseguirá formar profissionais com as competências exigidas pela nova economia digital.
Além disso, nossa rede de proteção social tem caráter predominantemente assistencialista, com pouca ênfase em políticas de qualificação e inserção produtiva.
Caminhamos para ser um país cada vez mais envelhecido, sem talvez conseguir transformar nosso potencial econômico em uma renda média compatível com o tamanho da economia. Agora, corremos o risco de aprofundar o desemprego estrutural e ampliar a desigualdade nesse cenário de transformação tecnológica acelerada.
Não há dúvidas de que a IA generativa já está reconfigurando o mercado de trabalho, com efeitos especialmente visíveis entre os mais jovens. Ainda é cedo para prever se essa tendência se intensificará ou se abrirá portas para novas oportunidades, mas os sinais iniciais sugerem que os “canários na mina de carvão” já começam a cantar, alertando que mudanças profundas estão em curso.