A guerra da Rússia contra a Ucrânia tornou-se um conflito tecnológico em larga escala, no qual 70% a 80% das baixas agora são causadas por drones aéreos não tripulados. Após três anos e meio, o conflito se transformou em um jogo incessante de gato e rato, em que cada novo sistema de armas oferece apenas uma breve vantagem de dois ou três meses antes de a outra parte desenvolver contramedidas.
Isso significa que a era da guerra robótica já está aqui. Estamos testemunhando sua primeira fase nos céus, em terra e no mar da Ucrânia. O desenvolvimento militar-tecnológico mais rápido do mundo acontece hoje em garagens, porões e fábricas ucranianas, onde centenas de pequenas equipes constroem novos modelos de drones e interceptores.
Muitos trabalham sem parar desde fevereiro de 2022, sem fins de semana ou férias. Assim que um novo produto fica pronto, ele é enviado à linha de frente. Os soldados o testam no dia seguinte e, em menos de 24 horas, devolvem aos desenvolvedores o feedback de combate, iniciando um novo ciclo. Algumas equipes de tecnologia de defesa chegam a entregar seus produtos pessoalmente nas zonas de combate e trabalham diretamente com soldados na integração e nos ajustes.
Mas a máquina de guerra russa também opera em ritmo máximo, com fábricas funcionando 24 horas. Um sinal claro da rapidez com que a Rússia consegue ampliar sistemas eficazes veio em 9 de julho, quando lançou 728 drones Shahed em um único dia.
Até o fim do mês, mais de 6.200 Shaheds haviam sido utilizados –14 vezes mais do que em julho de 2024 e 16% acima de junho. Para enfrentar essa ameaça, pelo menos duas empresas ucranianas desenvolveram drones interceptadores movidos por inteligência artificial, capazes de identificar e destruir Shaheds por meio de aprendizado de máquina. Nas melhores noites, alcançaram taxas de sucesso de 60% a 70%.
A luta, no entanto, evolui rapidamente. Os Shaheds também estão ficando mais inteligentes. Quando a Ucrânia utilizou metralhadoras para defesa aérea, eles passaram a voar acima de três quilômetros de altitude –fora do alcance.
Depois, no fim de julho, a Rússia lançou um Shahed a jato capaz de voar até 700 km/h, mais rápido que a maioria dos interceptores conhecidos. Além disso, alguns Shaheds agora vêm equipados com câmeras térmicas, processadores avançados e até coordenação autônoma em enxame. Eles parecem perceber quando estão sendo caçados, desviando e manobrando para escapar.
É essa a natureza da primeira guerra de robôs contra robôs da história. O conflito é travado por dois sistemas autônomos que tentam se superar em tempo real. Avanços semelhantes acontecem em terra: drones FPV (first-person view) com conexão por cabo óptico –imunes a interferências– já conseguem atingir alvos a até 30 quilômetros da linha de frente, tornando qualquer movimento nessa zona extremamente arriscado. Ambos os lados passaram a usar “drones adormecidos”, que permanecem horas no solo até que um alvo apareça.
Como resultado, veículos terrestres não tripulados vêm sendo usados em escala –principalmente para logística, reabastecimento, evacuação, operações de mineração e até ataques. Por ora, a Ucrânia parece estar em vantagem nessa área.
Em julho, sua 3ª Brigada de Assalto realizou uma operação totalmente autônoma inédita, combinando drones FPV e robôs terrestres para forçar tropas russas a se renderem na região de Kharkiv, sem que soldados ucranianos participassem diretamente do ataque.
Um dos maiores êxitos da Ucrânia foi o uso de drones marítimos para expulsar navios russos do Mar Negro. Esses equipamentos também evoluíram com o tempo.
Em 31 de dezembro de 2024, um drone marítimo ucraniano Magura V5, armado com um míssil superfície-ar, derrubou um helicóptero russo Mi-8 no Mar Negro –a primeira vez que um veículo de superfície não tripulado abateu uma aeronave tripulada. Hoje, alguns drones marítimos já funcionam como plataformas de lançamento ou retransmissores de comunicação para drones menores, ampliando alcance e capacidade.
Não se trata de casos isolados. Eles confirmam que entramos em uma nova era de guerra, em que sistemas autônomos são centrais para o sucesso no campo de batalha. As principais unidades de drones da Ucrânia operam como startups de tecnologia de alta performance, com seus próprios processos de recrutamento, treinamento, financiamento e cultura de equipe.
Uma brigada avançada inclui mais de 70 arquitetos de dados analisando inteligência em tempo real, 24 horas por dia. Essas unidades constroem ciclos rápidos de aprendizado, adaptando-se às mudanças do campo de batalha com mais agilidade que unidades militares tradicionais.
O novo protagonista mais bem-sucedido no conflito ucraniano é a Swift Beat, empresa de defesa do ex-CEO do Google, Eric Schmidt, que planeja entregar centenas de milhares de drones neste ano. A companhia desenvolveu um dos interceptadores de Shahed mais eficazes e trabalha em sistemas capazes de neutralizar mísseis de cruzeiro e balísticos. Mas, de forma notável, muitas dessas inovações não vêm de grandes contratadas de defesa, e sim de milhares de voluntários e da sociedade civil.
Essas inovações ajudam a explicar como a Ucrânia conseguiu resistir tanto tempo a uma superpotência militar. A OTAN e seus aliados precisam, com urgência, estudar e reforçar seu apoio à Ucrânia. A guerra robótica já chegou –e é a Ucrânia quem está escrevendo o manual.