O prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos), afirmou em gravação obtida pela Polícia Federal que recebeu de um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) informações vazadas de um inquérito que tramitava na corte.
A declaração aparece na transcrição de um telefonema entre o prefeito e um advogado. A conversa é citada em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que autorizou busca e apreensão na residência de Siqueira Campos e na prefeitura.
No diálogo, ele menciona um encontro com o ministro João Otávio de Noronha, do STJ, “há 15 ou 18 anos”, em Brasília. Siqueira Campos diz no telefonema que recebeu do magistrado um alerta.
“Ele falou para mim: ‘Siqueira, só para avisar ao teu pai que vão ser afastados quatro desembargadores’”, relata, na transcrição feita pela Polícia Federal. O pai do atual prefeito é o ex-governador do Tocantins José Wilson Siqueira Campos, morto em 2023.
“Foram quatro afastados. Esse Noronha me chamou em Brasília e me chamou num reservado e falou ‘Siqueira, eu adoro teu pai, tenho certeza, li os autos, não tem nada sobre ele, mas nós vamos ter que afastar esses quatro’. Eu falei para ele: ‘Graças a Deus’, que viraram quatro bandidos.”
No telefonema, o prefeito cita desembargadores envolvidos na Operação Maet, que apurou suspeitas de um esquema de venda de decisões judiciais no estado e foi deflagrada em dezembro de 2010. A Maet era relatada por Noronha.
Procurado, Siqueira Campos disse em nota que “não teve acesso aos autos do processo, que se encontra em sigilo determinado pelo Supremo Tribunal Federal” e que, “diante desse fato, está impedido de fazer qualquer comentário sobre o tema”.
O ministro João Otávio de Noronha, também procurado, afirmou que “não participou da suposta reunião em que teria havido alerta sobre a operação Maet e não tem relações pessoais ou profissionais com o prefeito”.
Uma pessoa que participou do encontro em Brasília afirmou, de forma reservada, que ele teria ocorrido em 2011, durante um evento público, e que a operação já havia sido deflagrada, não contendo informações sigilosas.
Destacou ainda que, à época da operação, o pai do atual prefeito não estava no governo. Ele já havia sido eleito e assumiu o cargo em 2011.
Uma investigação sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin, no STF, trata de eventuais vazamentos relacionados a duas operações que ocorreram no Tocantins, relatadas pelos ministros do STJ Mauro Campbell e João Otávio de Noronha. Os ministros não são investigados.
A decisão de Zanin que autorizou a busca e apreensão contra o prefeito de Palmas aconteceu no último dia 30, na nona fase da Operação Sisamnes, que investigou suspeitas de vazamentos e venda de decisões do STJ.
Além da residência prefeito e da sede da prefeitura, foram realizadas buscas no presídio onde está Thiago Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do estado, Wanderlei Barbosa (Republicanos), que não é alvo da operação.
Thiago Barbosa era o interlocutor de Siqueira Campos no telefonema transcrito pela PF. Seu advogado, Luiz Francisco Oliveira, diz que seu cliente foi usado e só teve acesso a informações quando entrou em contato com o advogado Michelangelo Cervi Corsetti, indicado pelo prefeito.
Michelangelo também foi alvo de medidas cautelares, sob suspeita de repassar informações sigilosas de inquéritos no STJ. A reportagem não localizou o advogado.
No braço da operação relacionado ao Tocantins, há suspeitas de vazamento sobre duas operações: Máximus (que investiga vendas de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Tocantins e é relatada por Noronha) e Fames-19 (que se debruça sobre supostos desvios do governo do estado durante a pandemia e é relatada por Campbell).
Além de decretar as buscas e medidas cautelares, Zanin também determinou em sua decisão a expedição de ofício ao presidente do STJ, Herman Benjamin, solicitando compartilhamento de dados como logins de acesso e histórico de movimentações das duas operações.
Ele também pediu o compartilhamento da lista de servidores públicos, permanentes ou cedidos, dos gabinetes de Noronha e Campbell desde janeiro de 2024, com o nome completo, email e telefone.
As operações citadas foram deflagradas em agosto de 2019, e investigadores desconfiam que as informações sobre elas já circulavam com os alvos desde junho.
“Como é possível perceber, ao menos em 26/6/2024, José Eduardo de Siqueira Campos tinha conhecimento de detalhes do trâmite da investigação relacionada à operação ‘Maximus’ e a repassou a Thiago”, diz Zanin, em sua decisão.
Segundo o ministro, “há três elementos bastante significativos, indicativos da antecipação indevida de informações sigilosas”, em que o prefeito “informa a condição de investigado de Thiago”, “indica saber o momento em que será deflagrada a operação” e “sugere, de forma concreta, os alvos da operação, o que, de fato, ocorreu”.
Além da conversa com o prefeito de Palmas, Thiago também falou em junho com um dos desembargadores que foi alvo da operação.
Policiais encontraram no computador usado pelo sobrinho do governador, que trabalhava como assessor de um procurador de Justiça do Tocantins, arquivos das duas operações. O equipamento foi apreendido para extração dos dados e análise detalhada —o download do material no computador havia sido feito após as operações, e não antes.
À época, Noronha afirmou que pediria apuração interna sobre eventual vazamento, e Campbell diz que o governador Wanderlei Barbosa não tomou conhecimento prévio de que seria alvo de busca e apreensão.