As defesas dos principais réus do processo sobre a trama golpista de 2022 afirmam que o ritmo acelerado imposto pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e o grande volume de provas apreendidas pela Polícia Federal durante a investigação têm impedido a análise desse material.
Os arquivos foram enviados pela PF aos advogados em 17 de maio, por email. Os dados somam cerca de 77 terabytes (cada terabyte corresponde a 1.024 gigabytes).
Os relatos dos advogados incluem dificuldade de manejar o material, que chegou de forma compactada, com documentos corrompidos, e outros cuja senha não foi disponibilizada.
Moraes marcou o início da fase de interrogatórios dos réus do núcleo central para segunda-feira (9), apenas uma semana depois da conclusão das audiências das testemunhas.
Para processar os quase 80 terabytes, um escritório comprou um computador gamer, equipado para rodar jogos eletrônicos, com o objetivo de baixar os arquivos. Outro orçou equipamentos mais poderosos, mas considerou os preços inviáveis. Só os downloads, dizem, levam dias.
As defesas de Jair Bolsonaro (PL) e Braga Netto disseram ao STF haver provas usadas na acusação ainda não fornecidas, como os arquivos mantidos em nuvem pelo general da reserva Mario Fernandes.
A PF e o STF foram procurados, mas não se manifestaram.
A Folha conversou nas últimas duas semanas com as defesas de seis dos oito listados no núcleo central do caso.
As equipes esperavam um intervalo maior entre os depoimento das testemunhas e os dos réus, como normalmente acontece, possibilitando mais tempo de análise das provas e estudo para as fases seguintes, incluindo a preparação para os interrogatórios.
Um dos empecilhos está relacionado ao conteúdo dos celulares apreendidos. Em geral, a PF envia às partes os arquivos de telefones por meio do Cellebrite —ferramenta de extração e análise de dados cuja interface permite analisar conversa por conversa do aparelho.
No caso da trama golpista, diversos arquivos de celulares foram enviados em formato “.txt”. Na prática, os advogados se deparam com um bloco de notas de milhares de linhas com os conteúdos.
As defesas afirmam, ainda, que novos documentos foram acrescentados pela PF após o envio inicial e que o material veio desorganizado. Citam como exemplo conversas incluídas com trechos em diferentes formatos, como os textos em “.txt” e imagens em pastas separadas sem indicação de conexão com o diálogo original.
Outro ponto que elas destacam é o fato de o grupo principal estar quase na conclusão do processo sem que os outros quatro núcleos da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) tenham iniciado a instrução, o que pode fazer com que os demais réus cheguem aos interrogatórios munidos de mais informação, enquanto os primeiros já terão falado desconhecendo o restante do processo.
O advogado do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, Eumar Novacki, afirma que o andamento do caso exige adaptações. “O ritmo realmente é bastante acelerado, bastante atípico, mas a defesa vai ter que se adequar, não tem o que fazer”, diz.
Segundo ele, ao menos parte da estratégia para o interrogatório está definida. “Anderson Torres não vai usar o direito constitucional de silêncio. Ele vai responder todas as perguntas, esclarecer todos os fatos, porque ele é o maior interessado que a verdade prevaleça”, afirma.
A equipe comandada por José Luis Oliveira Lima, da defesa de Braga Netto, afirma que há “absoluta ausência de tempo hábil” para acesso e análise do material a tempo dos interrogatórios.
“O que se pretende nesta oportunidade não é protelar o trâmite do feito, mas tão somente obter o prazo razoável para que a defesa possa ser devidamente exercida”, diz Oliveira Lima em petição que pede o adiamento da etapa.
Moraes respondeu negativamente na quinta (5). O ministro diz que os arquivos apreendidos não compõem os autos do processo nem foram usados na acusação.
As defesas pedem o material desde o início da tramitação. No início das audiências das testemunhas, advogados apresentaram questões de ordem reiterando o tema.
“Foram as defesas que solicitaram essas provas, inclusive nas sustentações orais. Na verdade, nem provas são. São documentos que juntei aos autos a pedido das defesas e isso não pode atrapalhar a sequência da instrução”, respondeu Moraes.
A PGR, capitaneada por Paulo Gonet, abriu mão do acesso amplo e formulou a denúncia com base nos relatórios da Polícia Federal.
As defesas, no entanto, afirmam que o acesso à investigação integral é importante para se depreender o contexto. Ou seja, se a PF usou três frases de uma conversa de WhatsApp para indiciar um réu, o acesso àquele diálogo seria essencial para analisar se o contexto é, de fato, o apontado para a imputação dos crimes.
Moraes afirmou que as defesas poderão pedir o depoimento de novas testemunhas caso encontrem, ao longo do processo, novas provas.
O advogado de Bolsonaro Celso Vilardi também pediu o adiamento dos interrogatórios até o acesso integral ao material.
“Se o exercício do contraditório e da ampla defesa pressupõe o prévio conhecimento, não se pode submeter o peticionário a interrogatório antes de que lhe seja dado conhecimento da prova coletada no curso das investigações”, diz. Moraes ainda não respondeu.
O primeiro réu a ser ouvido será Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator. Os demais serão interrogados por ordem alfabética: Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-chefe da Abin), Almir Garnier (ex-chefe da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).