Muito antes da tendência moderna de dar sequência a grandes álbuns pop com suas versões remixadas, houve Veronica electronica, de Madonna. Ou melhor: quase houve. Concebido como uma sequência do clássico Ray of light (1998), um sucesso absoluto de público e crítica e um dos pontos altos da discografia da cantora, Veronica electronica seria lançado nos meses seguintes ao álbum-irmão, mas o projeto foi engavetado e se tornou um mito, uma espécie de Santo Graal dos superfãs da Rainha do Pop.
Mas a espera, enfim, acabou. Lançado nesta sexta-feira (25.07), pouco mais de um mês após ser anunciado por Madonna em suas redes sociais, Veronica electronica traz oito remixes de faixas de Ray of light e “Gone gone gone”, uma demo inédita produzida durante as sessões do álbum, mas cortada da tracklist original antes mesmo de ser finalizada.
LEIA MAIS: 30 ANOS DE NA CAMA COM MADONNA
Ray of light não foi, de forma alguma, a primeira aventura de Madonna no mundo da música eletrônica. Radicada em Nova York e habitué da cena clubber da cidade no início dos anos 1980, a cantora testemunhou em primeira mão o nascimento e a evolução da house music. Vários de seus hits iniciais, como “Holiday” ou “Everybody” (ambos de 1983) exalavam influência do gênero. Já alçada ao estrelato, Madonna testemunhou a expansão da eletrônica pela Europa, especialmente na Inglaterra, onde a música de pista encontrou terreno fértil em raves, clubes e produções de vanguarda. Não coincidentemente, ela invadiu os anos 1990 com trabalhos totalmente influenciados por essas sonoridades: o single “Vogue” – uma exaltação da cultura ballroom de Nova York – e os álbuns Erotica (1992) e Bedtime stories (1994).
No entanto, ao começar a preparar o que viria a ser Ray of light, Madonna se descobriu diferente da adolescente que virava noites nas boates nova-iorquinas. Prestes a completar 40 anos e mãe de primeira viagem, ela buscava uma conexão maior com a própria espiritualidade, e encontrou no produtor William Orbit o parceiro ideal para traduzir seus anseios em música. Conhecido na cena eletrônica por contrapor acordes prolongados a batidas pulsantes, Orbit costurou a musicalidade de Ray of light, disco que consolidou Madonna como autora de uma obra madura, sem perder a relevância pop.
Mas o que, enfim, nos oferece Veronica electronica? Ao longo de 42 minutos, a coletânea destaca e acentua muitas características de Ray of light ao transportar versos e refrãos conhecidos para um contexto (ainda mais) dançante e evidentemente nostálgico. A verdade é que todos os remixes presentes no disco já haviam sido lançados de alguma forma anteriormente – ainda que em versões um pouco diferentes – em outras coletâneas e lados B de singles.
LEIA MAIS: Madonna, Gaultier E O Topless Filantrópico
Em vez das esparsas notas de sintetizador que abrem “Drowned world/ Substitute for love”, faixa inaugural de Ray of light, o que ouvimos a dar play em Veronica electronica é o bumbo reto e pulsante do remix assinado por BT e Sasha. Com crescendos e viradas clássicas do trance, a releitura imediatamente nos transporta para 1998, evocando uma espécie de saudade clubber que permeia todo o álbum.
“Ray of light – Sasha Twilo mix edit”, outro remix previamente conhecido da aclamada faixa-título do álbum clássico, é preenchido por toques pontiagudos de teclado – dialogando com o acid techno – e explode em um clímax perfeito para raves a céu aberto. Outro destaque é “Nothing really matters – Club 69 Speed Mix Meets the Dub”, de Peter Rauhofer, que parece mesclar outros dois remixes lançados previamente no single de “Nothing really matters”, de 1998. O mesmo ocorre em “Frozen – Widescreen mix and drums”, em que dois diferentes remixes assinados por William Orbit se fundem para uma versão etérea de “Frozen”, cadenciada por batidas de trip-hop.
LEIA MAIS: 6 tendências de agora que Madonna adiantou décadas atrás
Veronica electronica termina com a previamente citada “Gone gone gone”. A música traz uma versão direta e reta de Madonna, que não tergiversa ao encerrar um romance: “Eu não sei quem você é e essa coisa foi longe demais / Isso é amor? Eu acho que não”, declama antes de entoar o nome da canção sobre um breakbeat frenético. Essa abordagem direta ao falar de sua vida amorosa destoa da espiritualidade reflexiva da maioria das faixas de Ray of light, uma linguagem que ela exploraria mais a fundo em Music (2000), seu sucessor, e talvez explique a ausência dela na tracklist original.
O lançamento de Veronica electronica parece quase aleatório, pra não dizer oportuno. À primeira vista, ele passa a impressão de ser uma tentativa de capitalizar o apetite do público contemporâneo por materiais antigos, ou apenas algo para manter o público interessado enquanto Madonna foca no seu próximo álbum de estúdio – ela está trabalhando com Stuart Price, o produtor de Confessions on a dance floor (2005), num projeto preliminarmente batizado Confessions part 2, ainda sem previsão de lançamento.
De toda maneira, nada disso diminui o valor de Veronica electronica. Divertido e conciso, o álbum reafirma a influência duradoura de Ray of light, um álbum que continua a ressoar no pop atual, e remete à era de ouro de uma das artistas mais relevantes de todos os tempos. Claro, os remixes não têm a mesma substância das originais. Mas a proposta aqui parece ser outra: a de se jogar numa boa pista de dança e suar os problemas para fora.
LEIA MAIS: Dupla veterana da cena clubber, Underworld fala à ELLE antes de shows no Brasil
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes