A fábrica de veículos elétricos construída pelo maior fabricante de smartphones da China se tornou uma atração turística em Pequim, com visitas à planta precisando ser agendadas com um mês de antecedência e entradas determinadas por sorteio nos períodos de maior movimento.
Fãs leais da Xiaomi, chamados de “mi fen”, lotam a fábrica todos os dias para acompanhar a linha de produção, que monta um carro a cada 76 segundos. Guias turísticos orgulhosamente comparam os processos de fabricação aos da Tesla, enquanto a empresa chinesa busca emular a linha automatizada do rival americano e produzir internamente componentes críticos de carros elétricos.
Embora apenas dois modelos tenham sido lançados, os carros que saem da linha de produção devem superar em vendas os da Tesla na China no próximo ano, segundo estimativas da Citic Securities.
O novo SUV atraiu centenas de milhares de pré-encomendas em minutos após o lançamento em junho, enquanto o sedã esportivo original ficou em segundo lugar nas vendas de veículos premium na China no primeiro semestre, atrás apenas do Model Y da Tesla. O entusiasmo pelos carros ajudou a impulsionar as ações da Xiaomi quase 200% no último ano.
Antes uma montadora que construía seu sucesso com componentes de fornecedores, a Xiaomi busca se reinventar como uma potência industrial.
A Xiaomi tinha ambições mais modestas quando foi fundada há 15 anos. Seu nome em chinês significa “milhete”, e o fundador Lei Jun disse que a empresa surgiu em 2010 no espírito de “milho mais rifles”, referência à descrição de Mao Tsé-Tung sobre os limitados recursos militares do Partido Comunista durante a guerra civil.
Em apenas três anos, a companhia superou concorrentes para se tornar o terceiro maior vendedor de celulares do mundo e expandiu sua linha de produtos para incluir desde panelas elétricas até robôs aspiradores.
Apesar do sucesso inicial, críticos apontavam a falta de tecnologias próprias e a forte dependência de fornecedores.
“Essa variedade de produtos não era historicamente da Xiaomi; a empresa tem uma ampla rede de parceiros”, disse Richard Windsor, fundador do serviço de pesquisa Radio Free Mobile.
“Costumávamos dizer que a Xiaomi pegava tudo de fora e montava como se fosse um bloco de Lego”, disse Ivan Lam, analista de smartphones da Counterpoint Research. “Na prática, a Xiaomi vem investindo em P&D nos últimos anos.”
Reconhecendo as críticas, Lei se empenhou em derrubar a imagem de “oficina de montagem” da empresa, ampliando fábricas para produzir produtos premium.
O primeiro passo foi dado em 2020, com a inauguração de uma fábrica de 600 milhões de yuan (R$ 454 milhões) nos arredores de Pequim, para produzir pequenas séries do primeiro celular dobrável da marca.
Desejando “comparar sua empresa à Apple”, Lei transferiu a produção dos modelos de telefone mais caros para suas próprias fábricas no início de 2024. No primeiro trimestre deste ano, a Xiaomi registrou 81% de crescimento anual nas remessas de celulares premium, muito acima do aumento de 3% nas vendas totais de smartphones, segundo dados da Canalys.
“Marcas de tecnologia podem cobrar um prêmio quando são conhecidas por usar tecnologia avançada, e fábricas de ponta são uma das representações tangíveis disso”, disse a Xiaomi ao Financial Times.
A mesma estratégia tem sido aplicada aos carros. Após seguir a Apple nos smartphones, a Xiaomi levou apenas três anos do anúncio da intenção de construir um carro até o lançamento, em março do ano passado, do Speed Ultra 7, sedã esportivo produzido na nova fábrica. Por contraste, a Apple abandonou seu projeto de carro próprio um mês antes.
Além de recursos de direção autônoma e um sistema operacional integrado a celulares e eletrodomésticos, a empresa também destacou investimentos em componentes automotivos e equipamentos de fabricação desenvolvidos internamente, como liga de alumínio exclusiva, aço ultrarresistente e moldes para fundição de carroceria.
Os consumidores têm comprado a visão da Xiaomi. Depois que o SU7 se tornou um dos carros mais vendidos no competitivo mercado chinês, o recém-lançado YU7 SUV, projetado para rivalizar com o Tesla Model Y, recebeu 200 mil pré-encomendas em apenas três minutos —considerado um “milagre” por Lei.
“Podem me chamar de diretor de fábrica Lei”, escreveu o bilionário fundador em rede social, exaltando as virtudes das fábricas de carros elétricos e smartphones.
A obsessão atual de Lei com a manufatura não para por aí. A empresa constrói a segunda fase da fábrica de carros, que deve dobrar a capacidade de produção para atingir a meta anual de 350 mil unidades. Uma fábrica de aparelhos de ar condicionado também está em construção na cidade central de Wuhan.
O movimento da Xiaomi de um negócio de eletrônicos de consumo com pouca infraestrutura para um gigante manufatureiro segue o chamado de Pequim para empresas domésticas desenvolverem “novas forças produtivas de qualidade”.
Um comentário aprovado no People’s Daily, órgão oficial do Partido Comunista, comparou o esforço dos engenheiros chineses na década de 1950, ao buscar peças automotivas em aço importado, com o uso de mais de 700 robôs na fábrica de carros elétricos da Xiaomi.
A estratégia da empresa se estende a outro campo crucial de competição com empresas de tecnologia dos EUA: o desenvolvimento de chip próprio. No início deste ano, lançou o Xring O1, um SoC (system on a chip) produzido com tecnologia de ponta de 3 nanômetros, que equipa seus smartphones e tablets mais recentes, colocando a Xiaomi entre empresas de elite —Apple, Samsung e Huawei— que atingiram alto nível de integração vertical.
“Um chip projetado internamente permite à Xiaomi construir um ecossistema mais integrado, com comunicação perfeita entre os dispositivos”, disse Lam, da Counterpoint, alertando para vulnerabilidade a possíveis sanções dos EUA. O chip é produzido pela taiwanesa TSMC, segundo o Financial Times.
A Xiaomi anunciou que investirá pelo menos 50 bilhões de yuan (R$ 37 bilhões) nos próximos dez anos no desenvolvimento de chips avançados, com mais 200 bilhões de yuan (R$ 148 bilhões) destinados à tecnologia de ponta, incluindo sistemas operacionais e produtos de inteligência artificial, nos próximos cinco anos.
Lu Weibing, presidente da Xiaomi, previu em teleconferência recente que a capacidade de produzir chips internamente será um grande diferencial competitivo para empresas de tecnologia:
“No futuro, haverá apenas dois tipos de negócios: os que desenvolvem seus próprios chips e os que não desenvolvem. Emergirá uma diferença geracional na competitividade central entre eles.”