A ordem dada nesta terça-feira (26) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), para que a Polícia Penal do Distrito Federal monitore 24 horas por dia a casa de Jair Bolsonaro é uma medida que busca evitar que o ex-presidente entre em um carro de qualquer embaixada ou consulado e requeira asilo diplomático.
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas diz em seu artigo 22 que “os meios de transporte” das missões diplomáticas “não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”. Assim, o ex-presidente poderia causar um incidente internacional se fosse recolhido em casa por qualquer veículo identificado com placa de serviço consular, a antiga placa azul.
A cautelar ditada por Moraes a Bolsonaro em 4 de agosto proíbe o ex-presidente não apenas de sair de sua casa como também de manter contato com autoridades estrangeiras, seja onde for. Ela não diz nada, entretanto, sobre um veículo consular conduzido por um funcionário qualquer entrar na garagem e sair de lá com as portas e os vidros fechados, sem prestar satisfação a ninguém.
Os destinos mais prováveis de uma ação como essa seriam Hungria, Argentina e EUA, em função de movimentos anteriores feitos por Bolsonaro na direção do asilo.
A embaixada húngara em Brasília albergou o ex-presidente por duas noites, entre 12 e 14 de fevereiro de 2024, logo após a Polícia Federal ter apreendido o passaporte dele, cumprindo ordem de Moraes. Na prática, os dois dias passados na embaixada húngara corresponderam à concessão de um asilo diplomático temporário, pois, ali, ele estava inalcançável, por força das Convenções de Viena, caso fosse expedida uma ordem de prisão.
Mais recentemente, a Polícia Federal descobriu no celular de Bolsonaro o rascunho de uma carta, de 10 de fevereiro de 2024, endereçada ao presidente da Argentina, Javier Milei, com pedido de asilo ao país vizinho. Pelo que se sabe, a carta nunca chegou a ser enviada, mas sua mera existência reforça a certeza de que a alternativa do asilo estava em alta nos dias seguintes à apreensão do passaporte. Por fim, os EUA figuram como terceira opção de asilo, dadas as posições recentes do presidente americano, Donald Trump.
A busca por asilo a partir do embarque num veículo diplomático não estaria livre de controvérsias. A primeira delas diz respeito ao mau uso da proteção consular por parte de um governo estrangeiro que busque se imiscuir em assuntos da política interna brasileira.
A imunidade diplomática só se aplica a ações que sejam próprias das atribuições inerentes à diplomacia, e o Estado brasileiro poderia alegar que a concessão de asilo a Bolsonaro viola o artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que o direito ao asilo não pode “ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum”. Logo, invocar proteção internacional a ele seria perverter documentos internacionais com finalidades meramente políticas.
Além disso, embora a polícia não possa tirar um asilado diplomático de dentro de um veículo protegido por suas prerrogativas consulares, nada impediria que bloqueios nas vias contivessem o veículo, criando um impasse internacional de longa duração e consequências imprevisíveis.
Em 2012, o Brasil protagonizou situação parecida quando albergou por 454 dias em sua embaixada em La Paz o senador opositor Roger Molina Pinto. Como o governo do então presidente Evo Morales não deu salvo-conduto para que ele pudesse deixar o país como asilado, um diplomata brasileiro chamado Eduardo Saboia tomou a iniciativa de colocá-lo escondido dentro de um carro da embaixada, viajando com ele por 22 horas, até a fronteira com o Brasil.
Como o carro não foi detectado e interceptado, não foi preciso discutir as prerrogativas de proteção legal ao automóvel, mas o episódio é ilustrativo dos caminhos improváveis que essas situações podem tomar, o que explica a decisão tomada por Moraes de colocar a polícia ao redor da casa de Bolsonaro durante 24 horas por dia até que a sentença seja proferida.