Não se pode negar que o STF (Supremo Tribunal Federal) tem diante de si um julgamento que é não apenas histórico, mas repleto de questões jurídicas complexas. Parte da defesa jurídica de Jair Bolsonaro (PL) está dentro desse jogo e tenta usar a letra da lei para afastar os atos e condutas do ex-presidente de um enquadramento que possa levá-lo à prisão.
Argumentam, por exemplo, que, apesar de a lei punir a tentativa de golpe ou de abolição do Estado democrático de Direito, no caso de Bolsonaro, mesmo que se aceitem as acusações como verdadeiras, haveria no máximo “uma tentativa da tentativa”. Refutam também que houvesse violência ou grave ameaça em suas condutas, como exige a lei pela qual ele é acusado.
O que parece fora de lugar, no entanto, é a tentativa de seus advogados de pintar um quadro em que o fim do governo Bolsonaro teria ocorrido em total normalidade. Sua defesa ignora, por exemplo, o modo como os períodos de silêncio, reclusão e a ambiguidade do então presidente, na reta final do seu mandato, estimulavam seus apoiadores que se manifestavam pelo país e pediam uma intervenção militar.
Nesta quarta-feira (3), o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, que dividiu a sustentação oral com seu colega Celso Vilardi, afirmou: “Os atos posteriores do presidente foram totalmente voltados a desestimular seus apoiadores e seus eleitores a qualquer forma de não reconhecimento da vitória eleitoral do presidente Lula”.
Destacou, como argumentos, a passagem de comando das Forças Armadas, realizada ainda antes do fim de 2022, e que a transição teria se dado de forma pacífica.
Antes dele, Vilardi tinha destacado que, após as eleições, o ex-presidente fez um vídeo pedindo aos caminhoneiros que desobstruíssem as rodovias. Em linhas gerais, argumentou que, caso Bolsonaro quisesse o caos social, como alega a PGR (Procuradoria-Geral da República), tal pedido não faria sentido.
A defesa não mencionou, por outro lado, o quanto foram incomuns as semanas que se seguiram ao segundo turno da eleição, já desde as primeiras 45 horas após o fim da apuração, marcadas pelo completo silêncio do então presidente –que, mesmo quando se pronunciou, não reconheceu explicitamente a derrota.
Tampouco citou ou explicou o contexto das falas de Bolsonaro em 9 de dezembro, quando, em frente ao Palácio da Alvorada, ele disse a seus apoiadores: “Hoje estamos vivendo um momento crucial”.
“Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também”, afirmou ainda na data –período em que, segundo a denúncia da PGR, as articulações por uma alternativa para reverter o resultado das eleições estariam a todo vapor.
Se a defesa tem razão em apontar que há lacunas na denúncia da PGR, o mesmo há que se dizer de sua estratégia.
Em um pulo, os exemplos de falas do presidente desestimulando seus apoiadores parecem ir da fala aos caminhoneiros, no início de novembro, à live de despedida, em 30 de dezembro –feita por Bolsonaro antes de deixar o país rumo aos Estados Unidos.
Na ocasião, o então presidente disse que não tinha “tudo ou nada”, que o Brasil não ia “se acabar” no 1º de janeiro” e que não estimulava o confronto. E defendeu ainda, conforme destacou Cunha Bueno, o respeito “às leis e à Constituição”.
Ainda que esse trecho não tenha sido relembrado por seus advogados, nesta mesma transmissão, Bolsonaro admitiu que tinha sido “difícil ficar dois meses calado trabalhando para buscar alternativas”. Acrescentou também que tinha buscado saída apenas “dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeitando a Constituição”.
A medida usada por Bolsonaro do que caberia nessas quatro linhas, porém, parece ser diferente da adotada pelo STF.