Diante da contundência das provas e da proximidade do julgamento da Ação Penal 2668, Jair Bolsonaro (PL) parece ter abandonado a estratégia jurídica e passado a apostar no tudo ou nada político: provocar reações do tribunal para alimentar a narrativa de perseguição.
Após anos de investigações, denúncia, oitiva de testemunhas e interrogatórios, Bolsonaro e os demais réus apresentam suas alegações finais, o que deixa a ação penal pronta para ser julgada.
Segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), Bolsonaro seria o líder de uma organização criminosa que procurou implementar um golpe de Estado e abolir o Estado de Direito para se perpetuar no poder. Essa organização criminosa teria adotado diferentes estratégias, como constrangimento e violência no dia das eleições, espionagem de adversários, mobilização da radicalização de populares e generais.
Teria, também, construído narrativas de fraude eleitoral e de parcialidade de ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), articuladas pelas redes sociais, com o propósito de enfraquecer os controles institucionais e justificar medidas excepcionais, como uma intervenção no tribunal e prisão de ministros.
As provas produzidas no âmbito da ação penal, pela acusação e pela defesa, corroboram esses fatos e revelam a gravidade dos crimes. Mensagens, testemunhos, depoimentos, vídeos, áudios e uma diversidade de documentos apontam que a tentativa de golpe e de abolição do Estado de Direito estiveram em curso desde meados de 2021, culminando com a onda de violência no 8 de janeiro de 2023.
Com a proximidade do julgamento e de uma muito provável condenação, Bolsonaro voltou a atacar o tribunal. A retórica não trouxe nenhuma novidade ao que já havia sido feito durante o seu mandato presidencial: reforço da narrativa de perseguição, acusações de parcialidade dos ministros, em dissociação da realidade dos fatos e da ação penal.
Se as narrativas e seu propósito não foram novos, já revelados e documentados como parte da trama criminosa, o endosso dado às mesmas foi inédito. Aliado ideológico e de práticas antidemocráticas, Donald Trump resolveu chantagear o país e o Judiciário em nome da família Bolsonaro. Tarifaço e sanções contra ministros foram apresentados como uma retaliação à ação penal que tramita contra o ex-presidente e outros réus.
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fez questão de assumir a autoria da façanha e a Polícia Federal revelou coordenação e articulação dos fatos entre pai e filho, através de redes sociais, dando ênfase e ressonância à pressão contra o Judiciário brasileiro.
A explícita pressão feita contra o Supremo Tribunal Federal para que interrompesse o curso do julgamento da ação penal tem sido tratada politicamente como ameaça e juridicamente como coação no curso do processo e obstrução de justiça, acertadamente.
Diante do risco que passou a apresentar para o regular curso da ação penal, Bolsonaro recebeu medidas cautelares: uso de tornozeleira eletrônica, obrigação de recolhimento domiciliar noturno, e integral aos finais de semana e feriados, proibição de aproximar-se de embaixadas e de usar as redes sociais.
A medida cautelar que proibiu o uso de redes sociais não se deu no vácuo e está diretamente relacionada ao caso concreto e às características dos crimes em apuração, que contam com o uso sistemático das redes sociais para difundir narrativas criminosas e antidemocráticas.
Diante de notícias de descumprimento, pediu ao Supremo esclarecimentos e prometeu cumprir as medidas. Descumpriu-as novamente, fazendo saudações via redes sociais de terceiros em mobilização que festejava a coação contra o tribunal. Politicamente, um escárnio. Juridicamente, descumprimento de medidas cautelares anteriormente impostas.
Pelo óbvio descumprimento, foi determinada a prisão domiciliar, medida até branda diante dos riscos e do estardalhaço que o réu tem feito para tumultuar e inviabilizar o seu julgamento. Ainda assim, gerou uma nova onda de chantagens: anistia, impeachment, novas sanções políticas e econômicas, tudo prontamente replicado por aliados. É um roteiro bem ensaiado. Provocar uma reação do tribunal e, a partir dela, reclamar perseguição.
Tentam colocar o STF em uma armadilha. Se tolerar a delinquência, será acusado de ceder às pressões e à coação; se adotar medidas mais gravosas, será criticado por revanchismo e retroalimentará a narrativa de perseguição.
Com a proximidade do julgamento, os ataques contra o tribunal serão intensificados. Porém, mesmo com toda tensão política, o Supremo tem que redobrar a atenção e manter-se alheio ao barulho. A não decretação de prisão preventiva mostrou comedimento e cautela. Os prazos processuais da ação penal seguem transcorrendo. Continuar exercendo a função jurisdicional como tem feito, sem vingança, nem receio, é a melhor e definitiva resposta aos ataques que vem sofrendo.