A rede World, patrocinado por Sam Altman (executivo por trás do ChatGPT), continua proibida de remunerar brasileiros com criptomoedas pela entrega de seus dados biométricos, incluindo o registro de dados da íris. A ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) negou o recurso apresentado pelas empresas Tools for Humanity (TfH) e World Foundation, responsáveis pelo projeto. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (6).
Segundo a ANPD, as empresas não apresentaram elementos suficientes para garantir que os riscos à privacidade e à proteção de dados foram eliminados ou reduzidos.
A World afirma que “respeitosamente discorda da interpretação da ANPD sobre a LGPD e pretende buscar medidas legais adicionais para esclarecer a questão”.
A iniciativa que opera sob o nome rede World é um projeto global conhecido por oferecer pagamentos em tokens digitais em troca de imagens de íris, com o objetivo de criar uma identificação digital descentralizada, a chamada World ID. Essa identidade permitiria comprovar que o titular é “um ser humano único vivo”, um ponto crucial no cenário atual de avanço da inteligência artificial.
A autoridade brasileira tem se mostrado preocupada com a legalidade do tratamento de dados sensíveis e a transparência na comunicação com os titulares. A principal questão reside na oferta de dinheiro pela biometria. Para a ANPD, o pagamento pode “prejudicar a obtenção do consentimento”, interferindo na “livre manifestação de vontade dos indivíduos”.
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) estabelece que o consentimento para o tratamento de dados pessoais sensíveis, como é o caso de dados biométricos, deve ser livre, informado, inequívoco e fornecido de maneira específica e destacada, para finalidades específicas.
A ANPD considera o tratamento de dados pela rede World “particularmente grave”, mencionando o uso de dados sensíveis, a impossibilidade de exclusão dos dados biométricos coletados e a irreversibilidade da revogação do consentimento.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) apoiou a decisão. Para a entidade, a proposta apresentada pela empresa —de recompensar usuários por indicações de terceiros que escaneiem a íris—não altera o problema central: o modelo de negócios segue baseado na exploração de dados biométricos, especialmente de populações vulneráveis, sem a devida clareza sobre riscos e finalidades.
“Trata-se do mesmo problema que levou à adoção da medida preventiva em janeiro de 2025. Em vez de solucioná-lo, a proposta reproduz a lógica de esquemas de pirâmide financeira, nos quais o incentivo econômico depende da entrada contínua de novos participantes. A diferença, neste caso, é que o que está sendo mobilizado como moeda de troca não é apenas dinheiro, mas dados biométricos sensíveis e irreversíveis, como a íris”, afirma o Idec, em nota.
A World afirma que “programas de indicação são uma prática comum no Brasil e amplamente usados em setores aéreo, financeiro, telecomunicações e de pagamentos —inclusive por instituições públicas”.
A empresa diz acreditar que a implementação de seu programa “atende à decisão técnica preliminar da Autoridade e cumpre com os requisitos da LGPD”.
No comunicado, a World afirma ainda que “mantendo o espírito de colaboração e a boa-fé demonstrada desde o início das operações no país”, seguirá trabalhando com a ANPD e “continuará comprometida em expandir o acesso à tecnologia de prova de humanidade no Brasil”, ainda que de forma limitada e em locais selecionados.
A rede World suspendeu suas atividades no Brasil em 11 de fevereiro de 2025 para se adequar às exigências da ANPD.
Mais de 400 mil brasileiros se cadastraram nos estandes da TfH e receberam em um primeiro momento 25 worldcoins, avaliadas, ao todo, em R$ 190 na época. Quem mantém o aplicativo por um ano pode receber 48,5 worldcoins.