Cortes constitucionais da Alemanha e dos Estados Unidos limitam a aceitação de benefícios e a participação em eventos que possam lançar dúvidas sobre a imparcialidade dos juízes. Os países são referência para a criação de um código de ética para ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
A proposta de um código de conduta voltou a ser alvo de debate após a revelação de que o ministro Dias Toffoli viajou a Lima, no Peru, para a final da Taça Libertadores em um jato particular com Augusto Arruda Botelho, advogado envolvido no caso do Banco Master.
Dois dias depois, o jornal O Globo publicou reportagem segundo a qual a instituição financeira contratou o escritório da família do ministro Alexandre de Moraes por R$ 3,6 milhões mensais por 36 meses. O acordo seria para representar o Master onde fosse necessário —sem uma causa ou um processo específico.
Presidente do STF, Edson Fachin defende instituir um código de ética para os ministros, mas a ideia, como mostrou a Folha, enfrenta resistência interna no tribunal mesmo antes de ser formalizada. O receio é de uma discussão em um momento em que o Senado analisa atualizações na Lei do Impeachment.
De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, os principais parâmetros para um eventual código a ser implantado no Brasil seriam os textos adotados pelas cortes da Alemanha e dos Estados Unidos, tanto pela proximidade dos sistemas em relação ao brasileiro quanto pelas particularidades de cada um deles.
No país europeu, existe não só uma cultura de imparcialidade, mas de aparência de imparcialidade. O código de ética diz que os juízes não devem agir de modo a comprometer a reputação do tribunal e não podem dar opinião acerca de temas constitucionais nem fazer previsões sobre o resultado de julgamentos.
O texto também fixa que toda remuneração por aulas ou eventos deve ser publicizada. Os magistrados só podem aceitar dinheiro, porém, se a participação não comprometer a reputação do tribunal ou jogar dúvidas sobre a independência, imparcialidade, neutralidade e integridade do tribunal.
O código de ética da Suprema Corte americana, por outro lado, surgiu em 2023 em resposta a uma pressão da sociedade após a publicação de reportagens ao longo daquele ano que revelaram presentes e viagens bancados por nomes conservadores influentes a membros da instituição.
O texto frisa, por exemplo, que os juízes não devem deixar relações familiares, sociais, políticas e financeiras influenciarem o julgamento. Ainda restringe a aceitação de presentes e fala em evitar a percepção de que terceiros estejam em uma posição privilegiada que os permite influenciar a Justiça.
O professor Álvaro Jorge, da FGV Direito Rio, diz que, ao contrário do Executivo e do Legislativo, que passam de tempos em tempos pelo processo eleitoral e o crivo do voto, o Judiciário extrai a legitimidade da qualidade técnica das decisões e da percepção da sociedade a respeito deste Poder.
“Quanto mais o Judiciário se torna forte, presente na vida das pessoas, mais existe a necessidade de que se perceba a corte não como um agente político-eleitoral”, afirma ele. “Reforça[-se] a necessidade de que esse Poder se autocontrole, justamente para evitar essa perda na legitimidade institucional”.
O presidente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), Leonardo Sica, considera que esta é uma oportunidade. “A melhor maneira de os ministros mostrarem que não há motivo para desconfiar do Supremo é o tribunal mostrar que tem mecanismos de controle interno.”
A entidade instituiu neste ano uma comissão para estudos da reforma do Judiciário. O grupo se reuniu há duas semanas para debater o código de ética para o Supremo e pretende apresentar no ano que vem uma proposta ao ministro Fachin. Foram discutidos exatamente os modelos das Supremas Cortes alemã e americana.
Juliana Cesário Alvim, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), lembra que o Brasil tem restrições previstas na Loman (Lei Orgânica da Magistratura) e em regulamentações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas essas regras não são aplicadas ao Supremo, por entendimentos da própria corte.
A professora defende a criação de um código, mas destaca a importância do desenho das regras. No Brasil, onde falta uma cultura institucional mais consolidada, afirma ela, um código focado em princípios pode não ser o insuficiente. “Todos esses elementos fazem diferença em termos do resultado.”
“Esse é um motivo, não para ser contra, mas para estar atento ao que é esse código de ética, como ele vai ser desenhado, como ele vai ser manejado. E, tendo em mente essa preocupação: não queremos um código de ética que permita abusos, interferências. É isso que estamos querendo evitar”, completa ela.











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