Como a Nvidia convenceu Trump a liberar venda de chip avançado para a China

De um quase desconhecido em Washington, Jensen Huang conquistou esta semana uma vitória de lobby que pode valer bilhões de dólares para a empresa que lidera: a Nvidia.

A decisão da Casa Branca de permitir exportações de chips avançados para o vasto mercado da China, em grande parte intermediada por Huang, deixou concorrentes se perguntando como o discreto engenheiro eletricista caiu nas graças do presidente dos EUA.

Na segunda-feira (8), Donald Trump, que anteriormente admitiu que “nunca tinha ouvido falar” da Nvidia ou de Huang, desafiou a oposição dentro de sua própria coalizão Maga (“Make America Great Again”, faça a América grande novamente) ao permitir que a fabricante de semicondutores vendesse seus chips H200 para a China, com os EUA recebendo uma fatia de 25%.

Uma pessoa familiarizada com a estratégia da empresa afirmou que “um jogador reconhece outro” para explicar a recém-descoberta simpatia do presidente por Huang, já que ambos teriam o mesmo estilo de administração.

O sucesso da empresa de US$ 4 trilhões (R$ 21,65 trilhões) em cortejar o presidente dos EUA é especialmente notável porque a Nvidia, até recentemente, era quase inexistente em Washington quando o assunto era lobby.

Huang, que não era habitué na capital antes deste ano, estava inicialmente cético se valeria a pena cortejar Trump após sua reeleição em novembro, comentou uma pessoa familiarizada com a estratégia da Nvidia.

De acordo com ele, o CEO da Nvidia temia pela imprevisibilidade de Trump. Outros dizem que Huang estava simplesmente avaliando a melhor forma de ajudar o governo a entender o setor de inteligência artificial nos EUA.

Enquanto os bilionários Mark Zuckerberg, dono da Meta, e Jeff Bezos, fundador da Amazon, correram para participar da posse de Trump em janeiro, Huang estava celebrando o ano-novo chinês com funcionários em sua Taiwan natal, a 13 mil quilômetros de distância.

Seu acesso inicial ao presidente foi intermediado por Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA. “[Lutnick] começou a conversa com: ‘Jensen… só quero que você saiba que é um tesouro nacional, a Nvidia é um tesouro nacional. E sempre que precisar de acesso ao presidente, à administração, nos ligue'”, contou Huang ao podcast de Joe Rogan, famoso por ser alinhamento à extrema direita, neste mês. “E era verdade… eles [estavam] sempre disponíveis.”

Mas a empresa foi arrastada mais profundamente para a política quando a Casa Branca restringiu a venda de seus chips H20 para a China, os mais usado em modelos avançados de inteligência artificial, como parte do conflito comercial mais amplo de Trump com Pequim.

Entendendo que o presidente dos EUA queria que as empresas se comprometessem a expandir a fabricação no país, a Nvidia logo se juntou a um consórcio que prometeu investir US$ 500 bilhões domesticamente nos próximos quatro anos.

Huang voou para Mar-a-Lago em abril para conversar com Trump durante um jantar de US$ 1 milhão por pessoa. O governo do republicano suavizou sua posição nos meses seguintes.

Além de se reunir com Trump em particular pelo menos seis vezes este ano e falar diretamente com ele por telefone, Huang acompanhou o presidente em viagens aos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Reino Unido.

Ele estava em destaque na cúpula do Plano de Ação de IA da Casa Branca em julho, onde recebeu elogios efusivos de Trump. “Que trabalho você fez, cara”, elogiou o presidente.

Em outubro, Huang contribuiu para o projeto de salão de festas na Casa Branca feito pelo presidente.

Simultaneamente o CEO da Nvidia começou a cortejar legisladores. Huang argumentou que bloquear a tecnologia dos EUA dos desenvolvedores chineses de IA não impediria seus avanços, mas incentivaria os próprios fabricantes de chips da China a alcançá-los.

Em maio, ele disse ao comitê de relações exteriores da Câmara que a ausência da Nvidia no país asiático significava que “concorrentes como a Huawei [já estavam] assumindo o lugar”.

As equipes da Nvidia na China produziram suas próprias pesquisas sobre concorrentes na fabricação de chips.

A Nvidia se recusou a comentar sobre seus esforços de lobby.

A defesa da empresa no Capitólio foi liderada por Tim Teter, advogado e principal executivo jurídico da empresa, que tornou-se um dos conselheiros mais confiáveis de Huang.

Ao contrário de muitos de seus concorrentes, a Nvidia apresentou seu caso diretamente, em grande parte evitando lobistas estabelecidos e associações do setor. Rapidamente montou uma equipe interna, contratando um lobista republicano que havia trabalhado para Ivanka Trump, filha do presidente.

Um lobista que atua em Washington disse que a Huang aumentou a sua presença, estabelecendo inclusive uma equipe maior de lobistas.

Os esforços de Huang permaneceram focados nas exportações de chips. O papel principal da Nvidia como fornecedora de hardware —em vez de construtora de modelos como a OpenAI— significava que ela não precisava responder por perdas de empregos devido à IA ou danos à saúde mental das crianças, disseram três pessoas familiarizadas com as discussões no Capitólio.

Ainda assim, sua campanha enfrentou grandes obstáculos. Muitos funcionários de segurança nacional discordam dos argumentos da Nvidia para vender chips à China, assim como pesquisadores de importantes think-tanks de Washington.

Trump revelou em julho que, ao ouvir pela primeira vez sobre a enorme participação de mercado da Nvidia, seu instinto foi desmembrar a empresa.

Steve Bannon, estrategista na primeira administração Trump e que é influente no campo Maga, criticou o acordo esta semana, dizendo que o presidente estava sendo “mal aconselhado”, e criticou os republicanos por não se manifestarem.

Democratas, como a senadora Elizabeth Warren, denunciaram Huang por se reunir principalmente com republicanos, um sinal de que a empresa poderia enfrentar mais oposição caso Trump perca sua maioria na Câmara ou no Senado após as eleições de meio de mandato em novembro de 2026.

Um acordo inicial para reabrir as exportações do chip H20 —para o qual a Nvidia teve que concordar em dar aos EUA uma fatia de 15%— foi complicado pela resistência de Pequim a esses produtos menos avançados.

A atenção da Nvidia, então, se voltou para os esforços para conseguir que a Casa Branca permitisse vendas de chips H200 para a China, que são mais avançados que o H20, embora ainda atrás da última geração da empresa.

Por fim, Huang convenceu a administração de que era do interesse dos EUA que a Nvidia mantivesse sua dominância vendendo seus produtos o mais amplamente possível.

Robert O’Brien, ex-conselheiro de segurança nacional de Trump que ajudou a Nvidia a aprimorar sua mensagem para Washington, afirmou que “o mercado doméstico dos EUA, por maior que seja, não é grande o suficiente para absorver todos [os] chips” da Nvidia e seus rivais, incluindo Intel e AMD, “e fazer com que permaneçam líderes no jogo”.

Porém a Nvidia tem seus críticos em Washington. O senador republicano Dave McCormick é um deles e disse estar “preocupado” com a decisão do H200.

Uma medida em um projeto de lei de financiamento de defesa que teria restringido sua capacidade de vender chips avançados para a China foi abandonada esta semana. Mas um projeto de lei bipartidário que busca restringir a administração de aprovar as vendas de chips da Nvidia está ganhando força no Congresso, especialmente entre aqueles que temem que a administração um dia aprove vendas dos principais chips Blackwell da empresa para a nação asiática.

Por enquanto, o apoio de Trump à posição de Huang levou muitos legisladores republicanos, que pediram controles de exportação mais rígidos na presidência de Joe Biden, a permanecerem em silêncio.