Um novo estudo sobre o impacto da inteligência artificial para o trabalho da imprensa profissional mostrou um resultado contraintuitivo: ao mesmo tempo em que o conteúdo falso criado por IA gera queda geral de credibilidade —mesmo entre veículos tradicionais— e aumenta a preocupação com a desinformação, ele pode levar leitores a um maior engajamento com veículos de notícias considerados confiáveis.
Em resumo, a pesquisa indica, com um trabalho empírico, que a crescente escassez de confiança no ambiente digital pode aumentar o valor da credibilidade jornalística.
O experimento de campo foi realizado por pesquisadores em colaboração com o jornal alemão Süddeutsche Zeitung (SZ) e envolveu 17 mil leitores do veículo.
Os resultados estão no artigo “GenAI Misinformation, Trust, and News Consumption: Evidence from a Field Experiment”, do economista brasileiro Filipe Campante, da Universidade Johns Hopkins, com os pesquisadores Ruben Durante (Universidade Nacional de Singapura), Felix Hagemeister (Süddeutsche Zeitung) e Ananya Sen (Carnegie Mellon University). Ainda é um trabalho em fase pré-print, ou seja, sem revisão de outros cientistas.
Os participantes foram divididos em dois grupos. O primeiro, chamado de tratamento, teve que diferenciar imagens reais de outras geradas por IA em um quiz; o objetivo era mostrar a capacidade da tecnologia de gerar conteúdo que parecesse autêntico.
Já o outro grupo era o de controle, que, numa pesquisa científica, não recebe o tratamento em teste. Isso permite aos cientistas avaliar se os efeitos observados no grupo principal foram realmente causados por esse tratamento —e não por outros fatores. Esse conjunto respondeu a um quiz sobre eventos atuais com imagens reais, sem nenhuma menção à IA.
Depois dos testes, os pesquisadores questionaram os participantes sobre a preocupação deles com a desinformação e o nível de confiança em diversas plataformas de mídia, incluindo o próprio SZ.
Resultado: a exposição às imagens de IA aumentou a preocupação dos leitores com a desinformação em cerca de um terço de desvio padrão (medida comum em estudos científicos).
Além disso, o estudo também rastreou o comportamento de navegação de 6.000 participantes do primeiro grupo nas semanas seguintes no site do SZ, acompanhando as visitas diárias ao jornal e o status da assinatura deles.
A exibição das imagens falsas também teve impacto negativo na confiança dos leitores em todas as plataformas de mídia e redes sociais —incluindo o próprio Süddeutsche Zeitung—, numa queda de 0,1 desvio padrão.
“A demanda pelo conteúdo não depende da qualidade absoluta da informação daquele veículo, mas da qualidade relativa; o que eu leio ali, comparado com como fico se não ler aquele jornal”, afirma Filipe Campante.
Apesar da queda geral de confiança, os expostos à IA aumentaram suas visitas diárias ao site do SZ; a princípio, a alta foi de 2,5% nos primeiros três a cinco dias, em relação ao grupo de controle. O efeito diminuiu com o tempo, mas continuou significativo por mais de duas semanas.
O estudo também indica um aumento na retenção de assinaturas: o grupo de tratamento mostrou uma probabilidade 1,1% maior de continuar assinando o jornal, com uma taxa de cancelamento cerca de um terço menor para os indivíduos que tiveram o comportamento rastreado.
Segundo os pesquisadores, isso mostra que, ainda que o efeito da exposição às imagens de IA possa diminuir ao longo do tempo em decisões do dia a dia, ele continua significativo na hora em que os leitores decidem manter sua assinatura.
Mesmo com o recorte específico, os pesquisadores apostam que os resultados se replicariam em veículos de perfil semelhante.
“Não vejo por que achar que a reação de consumidores de veículos comparáveis em outros países seria diferente. Acho que a Folha é um jornal bastante comparável ao SZ, por exemplo. A parte conceitual do artigo mostra que há uma lógica nesse comportamento”, diz Campante.
Contudo, há conclusões que não podem ser tiradas a partir do estudo. A pesquisa, afinal, foi feita com leitores de jornal, não pessoas aleatórias na rua, já que o objetivo era analisar quem já tem confiança num veículo.
“Não sabemos se uma pessoa consumindo informação na internet vai reagir da mesma forma, se ela não tiver relação de confiança com alguma publicação”, diz Campante.
De todo modo, os autores do estudo apostam que os dados sugerem até possível estratégia de negócios para empresas de notícias: quanto mais os veículos conquistarem confiança do público, maior é a oportunidade de geração de receita, num cenário de ascensão do conteúdo gerado por IA. Mas é preciso ficar esperto, afirma Campante.
“Sua capacidade de mitigar o problema tem que avançar no mínimo tão rápido quanto o problema. Tem que manter o ritmo da tecnologia.”