Após a eleição do presidente Lula (PT) em outubro de 2022, uma caminhonete azul se aproximou do Nikin Lanches, na cidade de Cafelândia, no interior paulista, e uma pequena bomba foi arremessada contra o estabelecimento, causando medo e revolta.
O ataque tinha endereço certo. O nome da lanchonete estava em uma lista de boicote divulgada por membros de um grupo de WhatsApp chamado “Patriotas Cafelândia”, de apoio a Jair Bolsonaro (PL), que citava nominalmente comerciantes e prestadores de serviços “esquerdistas e traidores” que deveriam ser “banidos”.
No final de julho, quase três anos depois, a Justiça paulista condenou duas pessoas acusadas de terem elaborado e divulgado a lista de boicote: o professor Davoine Francisco Colpani, de 68 anos, e o dentista Edson Parra Nani Filho, de 62 anos.
Eles foram condenados em segunda instância por crime de perseguição. O professor recebeu uma pena de um ano, quatro meses e dez dias de prisão em regime aberto. O dentista, de um ano, cinco meses e quinze dias, também em regime aberto. Os dois foram beneficiados com a suspensão condicional da pena, mas terão de pagar, individualmente, uma indenização de dois salários-mínimos para cada uma das sete pessoas citadas na lista que registraram reclamação formal.
Na denúncia feita à Justiça, o promotor Thiago Cardim disse que “além de ofender o regime democrático, a divulgação desenfreada da lista de boicote passou a causar constrangimentos e riscos à integridade física e psicológica das vítimas”.
Segundo o promotor, as pessoas citadas passaram a ser ofendidas e perturbadas nas ruas e nos seus locais de trabalho, bem como sofreram prejuízos financeiros.
Uma das vítimas relatou ao Ministério Público que, uma semana antes do segundo turno das eleições, uma pessoa o procurou dizendo que, caso não declarasse voto em Bolsonaro e colocasse uma bandeira do Brasil na porta do estabelecimento, seu nome seria incluído na lista do boicote, como, de fato, acabou ocorrendo.
“Me senti constrangido, abalado. A gente fica com medo, a gente está trabalhando e não se sente bem, dá a impressão de que alguém vai chegar a qualquer hora e fazer alguma coisa com a gente”, afirmou em depoimento.
O procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino disse no julgamento que a lista do boicote foi replicada em outras redes sociais e distribuída também em folhetos.
Ao condenar o professor e o dentista, o desembargador Luís Soares de Mello, relator do processo no Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que “os relatos prestados pelas vítimas estão integralmente corroborados pelas testemunhas e pela prova documental, com prints do aplicativo WhatsApp, reforçando a verossimilhança das alegações e evidenciando o caráter reiterado e intimidatório da conduta dos réus”.
Procurado pela Folha, o advogado Tiago Cruz, que representa o dentista Nanini Filho, disse que não deverá recorrer da decisão. “Gostaríamos de não nos manifestar sobre o mérito da acusação, uma vez que a pretensão do Edson é que seja uma página virada e vida que segue, pois foi um processo desgastante. Ele respeitará a decisão da Justiça.”
A defesa de Davoine Colpani disse que vai recorrer. O advogado José Rodrigues Santana Gomes disse à reportagem que seu cliente está sendo condenado sem qualquer prova das alegações feitas na denúncia, “já que não criou nem divulgou a suposta lista”.
À Justiça, Davoine disse que não foi o criador da lista e que não se recorda a quem se referia quando enviou a mensagem “mais um traidor para ser banido”, ou o sentido da frase. Afirmou que a mensagem enviada não guardava qualquer relação com a lista divulgada no grupo “Patriotas de Cafelândia”.
Sua defesa destacou ainda que a pessoa “desconhecida que praticou o atentado a bomba deve ser identificada e devidamente penalizada”.
“Qual a ligação deste fato com a suposta lista de boicote?”, perguntou. “É no mínimo inverossímil que a divulgação de uma suposta lista tenha gerado consequências tão gravosas à integridade física e psicológica das vítimas”, afirmou a defesa do professor à Justiça.
Já Nanini Filho disse no processo que não foi o responsável pela postagem do boicote e que teve ciência da lista por intermédio de um conhecido e que enviou mensagem ao grupo pedindo a cessação de sua divulgação. Disse que não sabe quem criou a lista e que procurou pessoas conhecidas, citadas no documento, pedindo desculpas.