A prisão domiciliar de Bolsonaro —não por algum crime que tenha cometido, e sim por ter feito uma mensagem para as redes sociais— ilustra uma dinâmica comum: o Supremo impõe restrições abusivas e a direita desafia o Supremo porque quer derrubá-lo. Estamos vendo o choque entre duas visões inconciliáveis que promete escalar ainda mais.
Para uma, vivemos o ataque constante à democracia pela extrema direita. Contra isso, o Supremo não pode assistir inerte enquanto as instituições do país são nocauteadas. Lugar de golpista é na cadeia e quem se indignar com isso é porque está do lado do golpe.
Para o outro, vivemos a ditadura do Supremo, em que um ministro pode determinar tudo o que quiser sem limite algum. Determina investigações, censura e prisões contra a direita e quem ousar tecer críticas às urnas eletrônicas. É vítima, investigador e juiz; prende ou solta com base em posts nas redes sociais. Se acostumou a dar ordens ilegais e depois punir duramente quem as descumpre.
E se ambas as visões estiverem erradas? Um resultado surpreendente do Datafolha indica essa possibilidade: uma maioria de 55% dos eleitores são contrários à anistia aos presos do 8 de janeiro e uma pluralidade de 47% é favorável à suspensão do visto americano de Moraes (contra 42% contrários). Muita gente que não tolera Bolsonaro e também não engole Moraes.
Bolsonaro comprovadamente buscou convencer generais a endossar um golpe e fez acusações falsas de fraude nas urnas para tentar invalidar a eleição. Sua PRF (Polícia Rodoviária Federal) tentou bloquear o acesso de eleitores às urnas. Ao fim da história, seus seguidores mais fanatizados invadiram os Três Poderes na esperança de provocar a sonhada intervenção militar. Não há perseguição nenhuma em levá-lo a julgamento.
Moraes também não fez por menos. Os abusos se somam desde a censura a uma matéria da Crusoé em 2019. Proibição de uso das redes sociais por tempo indeterminado, inquéritos de ofício do Supremo que se estendem até hoje, busca de motivos que justifiquem prisão com base em posts de redes sociais; investigação de empresários por falas banais em grupo de WhatsApp; prisão preventiva indevida de Filipe Martins que se estendeu por meses. Prisões aos invasores do 8 de janeiro mais longas do que as de assassinos. E tudo isso no Supremo, que já é a última instância. É difícil vislumbrar a anulação desses e outros julgamentos quando a maré política mudar?
Nada disso se deu num vácuo. A escalada do Supremo se deu em meio a uma movimentação real para minar nossa democracia, melar nossas eleições e, após perdê-las, dar um golpe de Estado. O problema de poderes excepcionais é que, depois de passada a ameaça que justificou seu uso, eles tendem a permanecer. A autocontenção é uma virtude elogiada no discurso e desprezada na prática. Em agosto do ano passado, o ministro Barroso opinou que o fim do inquérito das fake news “não está distante”. Até hoje, nada.
O maior desastre da sanção americana é dificultar a contenção desses poderes abusivos do Supremo. Recentemente, Fux abriu divergência com outros ministros da Primeira Turma. Outros viriam? Dificilmente virão agora, em que divergir de Moraes trará a pecha da traição e da covardia. Dificultou também para o Congresso, de quem se espera movimentos para conter excessos do Supremo. Resta apenas a opinião pública.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.