Editorial é o espaço de opinião da direção dos veículos de imprensa. Coluna de ombudsman é o espaço de defesa dos interesses dos leitores, à luz dos princípios jornalísticos. Nos últimos anos, contudo, os ombudsmans da Folha o converteram em colunas opinativas. A atual ombudsman levou a prática ao extremo, escrevendo um contra-editorial. O procedimento reflete um fenômeno novo: a pregação da censura por jornalistas.
Na sua crítica ao editorial da Folha que defendeu a liberdade de expressão de Bolsonaro, a ombudsman simula expressar uma opinião quase universal dos leitores. No fundo, é outra coisa: guerrilha digital.
Atualmente, as correntes compactas de opinião política são fabricadas nos “gabinetes do ódio” controlados pelo bolsonarismo ou pelo lulismo. Na linha de montagem, dirigentes partidários definem alvos e argumentos que, depois, são viralizados pelos influenciadores associados. Por fim, simpatizantes reproduzem os discursos arquitetados lá no alto.
O contra-editorial organiza-se como colagem de comentários selecionados. Mensagem unívoca: a Folha trai seus leitores ao sustentar o princípio da liberdade de expressão até mesmo para Bolsonaro.
A ombudsman fala pela voz de um leitor: “Nenhuma democracia sobrevive se não souber se proteger de quem a usa como escada para destruí-la por dentro”. É o álibi empregado ritualmente pelo STF, desde a proibição de entrevistas de Lula na prisão (2018), passando pela ordem de censura à revista Crusoé (2019) e pelos vetos a perfis do esgoto bolsonarista, até o embargo ao uso de redes sociais por Bolsonaro. Segundo os juízes-censores, vivemos em excepcionalidade permanente.
Não há hipocrisia maior que a retórica da extrema direita pela liberdade de expressão: os bolsonaristas, saudosistas da ditadura militar brasileira, aplaudem as ordens de prisão de Trump contra estudantes que criticam a política externa dos EUA. Se o golpe deles tivesse funcionado, empastelariam jornais.
Mas, nos dois polos do espectro político, o imperativo categórico é calar a boca do outro. A esquerda lulista, que defende as tiranias cubana e venezuelana, já pediu em coro a censura da imprensa (senha: “controle social da mídia”) e, hoje, engaja-se na missão de censurar as redes (senha: “coibir o discurso antidemocrático”).
A verdadeira novidade são os jornalistas-censores. Num passado recente, jornalista profissional capaz de clamar pela censura era algo mais raro que comida ruim na Itália. Nos dias que correm, formam multidões. Como decifrar o fenômeno?
Suspeito que suas raízes estejam fincadas tanto na economia como na cultura. Numa ponta, o enfraquecimento financeiro da imprensa profissional, na era das plataformas virtuais. Na outra, um declínio da lealdade aos princípios jornalísticos, nessa era da colonização ideológica das universidades.
Jornalistas formados em ambientes intoxicados pelo ativismo digital perderam o respeito pelo conceito de pluralidade. Aprenderam a subordinar qualquer princípio a suas simpatias ideológicas. Esqueceram que a liberdade, nas palavras de Rosa Luxemburgo, “é sempre, e unicamente, a liberdade dos que divergem de mim”. Não se dão conta de que, amanhã, ventos políticos invertidos, serão eles as vítimas dos censores. O contra-editorial documenta uma época.
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