A distância do polo tecnológico Sul-Sudeste e baixa presença de mulheres na área tornaram Ana Vitória Bacelar, 25, mais pessimista quanto ao mercado de trabalho. “O estado do Pará não tem uma área tão valorizada em tecnologia. É muito mais difícil acessar outras oportunidades e pessoas que não sejam de lá”, afirma.
Ela era uma das quatro mulheres de uma turma de 40 alunos de ciência da computação na UFPA (Universidade Federal do Pará). Até cruzar com a professora e pesquisadora da UFPA Danielle Costa, fundadora da Manas Digitais, um projeto qualifica meninas e mulheres da região amazônica para o setor de tecnologia e computação e as conecta ao mercado de trabalho.
“O Manas me deu um espaço muito grande para experimentar coisas. Eu fui evoluindo e me descobrindo dentro da área em que eu atuo hoje, de experiência do usuário”, conta Ana Vitória, que ajudou a criar o nome e identidade visual do projeto.
Hoje, ela é designer de produto de uma empresa em São Paulo, mas também atua como voluntária do Manas, ajudando novas alunas a seguirem o mesmo caminho.
O projeto surgiu da preocupação das professoras Danielle Costa, Gabriela Rodrigues (IFPA), Márcia Homci (Unama) e Regiane Kawasaki (UFPA) com o baixo número de mulheres nos cursos de computação.
Depois de serem selecionadas em um edital do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) voltado para aumentar a participação feminina nas ciências exatas, o programa começou atendendo cinco escolas públicas de Ananindeua, região metropolitana de Belém, no Pará, com oficinas de lógica de programação, pensamento computacional e desenvolvimento de aplicativos.
“Depois que criamos as redes sociais, ficamos conhecidas fora da região. Começamos a crescer a tal ponto que surgiram diversos convites de todo o país”, diz Danielle.
Em 2021, o PicPay buscou parceria com as Manas Digitais para formar 20 mulheres como desenvolvedoras mobile para Android. Quase todas as integrantes conseguiram emprego na área —algumas contratadas pela própria fintech.
Nos anos seguintes, o modelo se repetiu com novas parcerias, incluindo o Banco Carrefour, a escola de tecnologia Alura e a Fundação Baobá, um fundo exclusivo para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil.
Para Danielle, as Manas se destacam de outros cursos do gênero por contarem com grade curricular flexível, mentoria de carreira individual, rede colaborativa de profissionais de TI e aprendizagem baseada nos problemas regionais.
“Temos um olhar individual para cada aluna. Mapeamos o perfil de cada participante: é mãe? É pessoa com deficiência? Mora longe? Qual a dificuldade que pode ter para acompanhar o curso? Qual o tempo disponível para estudo? A partir disso, adaptamos a experiência de aprendizado”, explica Danielle.
Em 2023, as Manas Digitais foram selecionadas pelo BNDES Garagem, programa que apoia negócios de impacto socioambiental. Foi nesse momento que o grupo estruturou a TacaCode Hub, empresa que oferece educação corporativa sob demanda para outras empresas interessadas em contratar mais mulheres na tecnologia.
Mesmo com a formalização da startup, o compromisso social segue como prioridade. “As empresas querem diversidade, mas não sabem como formar essa mão de obra. Então criamos um modelo de formação sob medida para elas”, explica Danielle. O projeto continua focado em mulheres de baixa renda e de contextos vulneráveis.
Em 2024, a iniciativa ampliou seu alcance com parcerias da prefeitura de Palmas e do programa Impulsoria, da British Council, em que deram formação para que instrutores comunitários locais expandissem o acesso à tecnologia para mais regiões da Amazônia.
“Muitas vezes, tanto homens quanto mulheres da região não se veem na tecnologia porque parece algo distante da realidade deles. É preciso mostrar que esse espaço também é deles e que sua presença é fundamental para essa engrenagem”, diz Danielle.
O projeto foi um caminho para que Melissa Cordeiro, 25, se consolidasse profissionalmente em áreas da tecnologia.
Ela assumiu a função de designer no Manas Digitais entre 2019 e 2023. O primeiro contato com o projeto veio por meio do ex-marido, que estava envolvido com feiras de empreendedorismo e tecnologia, e fez a ponte com Danielle.
No grupo, Melissa participou de projetos que ensinam programação para crianças e atividades para incentivar meninas a ingressarem em áreas de exatas. Para o trabalho de conclusão da faculdade, se juntou a outras integrantes do Manas, o que permitiu que ela concluísse o curso seis meses antes do previsto.
Ela também se aprofundou na área de UX/UI (experiência e interface), por meio de uma parceria das Manas com a Alura. Melissa afirma que esse curso foi fundamental para sua especialização e para a construção do portfólio profissional que a levou a assumir uma vaga de trabalho em Curitiba na área de UX Design, onde atua hoje.
“Ser mulher na tecnologia é meio que uma sina. Para onde você vai, é a única na área. Mas o Manas foi meu guia ao longo de toda a jornada acadêmica e profissional. Cheguei a Curitiba com toda essa bagagem porque o projeto me apresentou cursos, mentorias e oportunidades”, diz Melissa.