O caso da jovem que confessou ter envenenado colegas de classe em São Paulo chamou atenção não apenas pela brutalidade do ato, mas também pela forma como foi executado. Ela teria enviado bolos de pote envenenados para uma amiga da escola, acompanhados de bilhetes anônimos com elogios. Três pessoas acabaram hospitalizadas.
Segundo o delegado responsável, a motivação seria um ressentimento antigo por ter sido preterida por garotos do colégio. Trata-se de uma alegação ainda em investigação, que não permite conhecer com clareza o que se passou na cabeça da jovem. No entanto, a hipótese traz à tona uma questão que vai além do episódio: a inveja e as formas como ela pode se manifestar em contextos de escassez e comparação.
A inveja, ao contrário do ciúme, não se refere à perda de algo que se tinha. É a dor provocada pela conquista alheia, especialmente quando parece próxima, injusta ou ameaçadora. E embora carregue uma reputação moral negativa, a inveja é parte do repertório emocional humano. Está presente em culturas diferentes e se manifesta desde cedo, ainda na infância. Seu estudo, no entanto, apresenta dificuldades.
Boa parte das pesquisas sobre o tema depende de autorrelato e a formulação de situações controladas, o que traz limitações. Não se mede inveja com um termômetro, nem é simples recriar suas condições sociais em laboratório. Por isso, a literatura costuma distinguir entre a inveja como traço disposicional, algo mais persistente, relacionado à personalidade e como estado episódico, ativado por contextos específicos. Essa distinção é central para entender que sentir inveja não é sempre uma falha de caráter. Por vezes, uma resposta comum a situações percebidas como desiguais ou ameaçadoras.
Dois estudos ajudam a iluminar como esse sentimento age e o que ele produz. Um deles, conduzido por Arnocky e colaboradores, investigou como a percepção de escassez influencia comportamentos de rivalidade entre mulheres jovens. Ao imaginar situações de recursos limitados, as participantes com maior predisposição à inveja tenderam a depreciar rivais, enquanto aquelas com menor propensão buscaram autopromoção. O estudo revela que a escassez não opera sozinha. Ela interage com traços individuais e pode acionar respostas bastante diferentes —umas voltadas à superação, outras à anulação ou ataques ao outro.
Um segundo estudo, de Behler e colaboradores, mostra que a inveja, uma vez despertada, não se restringe ao alvo. Participantes induzidos a reviver situações invejosas tornaram-se menos propensos a ajudar terceiros e mais inclinados a puni-los, mesmo sem qualquer relação com a comparação original.
A inveja contamina o olhar, tornando as pessoas mais desconfiadas, mais frias e menos dispostas a cooperar. Nem sempre por crueldade, mas muitas vezes como mecanismo de defesa. O experimento também tem suas restrições, como o ambiente controlado e a faixa etária dos participantes. Ainda assim, os efeitos observados ajudam a entender reações que se espalham para além do círculo imediato da competição.
O caso do envenenamento, se confirmado, envolve sofrimento psíquico que vai além da inveja. Mas o contexto em que ele ocorre não é alheio a nós. Vivemos cercados por estímulos à comparação, onde status, afeto e validação parecem sempre escassos. Nesse cenário, a inveja se torna mais frequente e mais difícil de admitir. A inveja é desconfortável, mas comum. E quanto menos falamos sobre ela, mais espaço damos para que se transforme em algo maior do que deveria.
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