Da janela do quarto 328 do hotel The Peninsula, eu via o congestionamento dos ônibus de turismo na Hyde Park Corner –entroncamento de avenidas numa das partes mais nobres de Londres.
Os tais ônibus imitam o transporte público da cidade. São vermelhos e têm dois andares, com uma diferença crucial: o segundo andar é parcialmente descoberto.
Londres sendo Londres, os turistas experimentam a experiência londrina nesses assentos sem capota. Protegem-se como podem da garoa gelada com capas do urso Paddington. Buscam se achar no mosaico urbano com enormes mapas de papel, lutando contra o vento.
Observei o calvário dos turistas plebeus enquanto servia chá English breakfast e aguardava meu próprio city tour.
O passeio é uma das experiências, como o próprio hotel as define, oferecidas aos hóspedes por preços condizentes com o luxo da marca. O grupo The Peninsula, fundado em Hong Kong em 1928, inaugurou a unidade de Londres há pouco mais de um ano, com tarifas que começam em 880 libras esterlinas (R$ 6.865).
O city tour é feito em um dos carros da frota do Peninsula, que pode ser um Rolls-Royce elétrico, e tem roteiro feito sob medida para as preferências do hóspede.
Um rolê bastante simplesinho, se comparado às outras experiências do hotel.
O cardápio de extravagâncias inclui uma visita privativa às joias da coroa, guardadas na Torre de Londres (a partir de 605 libras/pessoa ou R$ 4.720), posar para Ralph Heimans, retratista da família real (preço a combinar com o artista), e, para as crianças, uma casa ao tesouro em endereços como Downing Street e o palácio de Buckingham (292 libras ou R$ 2.277).
A mais curiosa das experiências se chama Concorde Legacy. Nela, o hóspede vai tomar champanhe dentro de um Concorde —avião comercial supersônico, aposentado em 2003.
Levando-se em conta que o passeio inclui um rolê de Rolls-Royce, uma conversa com pilotos que conduziram o avião, um voo simulado e um jantar, o preço da brincadeira começa em 3.409 libras por cabeça (ou R$ 26 mil).Eu não esperava ganhar tremendo mimo. Mentira: esperava, sim, mas não rolou. Compreensível. Fiquei contentão com o city tour de magnata.
Quando se roda num Rolls-Royce, mesmo nas ruas posh de Belgravia ou Mayfair, as coisas se invertem: o turista se torna uma atração para os londrinos.
Enquanto esperávamos a abertura de um sinal de trânsito, percebi que três crianças acenavam euforicamente para mim –certamente pensavam que, por estar em tão vistosa caranga, eu só poderia ser algum tipo de celebridade.
Meu guia, um jovem londrino que atende por JT (de Joe Thomas), fez um bem-bolado com atrações clássicas, uma espiadela nos comércios dos super-ricos e, como mencionei que escrevo sobre comida, uma parada estratégica num dos muitos mercados da cidade.
Mesmo nos cartões postais mais clichês, o tour apresenta ângulos inusitados. No Parlamento, por exemplo, JT me levou a um canto onde eu era o único turista –os outros presentes eram repórteres de TV que escolheram o ponto para entrar ao vivo com a torre do Big Ben ao fundo.
Chegando aos arredores do palácio de St. James, o guia me apresentou a alguns fornecedores da família real britânica.
No Berry Bros. & Rudd, mercador de vinhos desde 1698, comprei um vinho de Bordeaux –clarete ordinário, porém bom, de acordo com o rótulo– pela bagatela de 13,50 libras (R$ 105).
Na charutaria JJ Fox, o guia JT me fez tirar uma foto sentado em uma poltrona que, dizem, pertenceu a Winston Churchill.
Na Lock & Co. Hatters, aprendi o quão caro pode ser um chapéu –um boné custa 100 libras (R$ 780), e um panamá, 1.500 (ou R$ 11.700). De qualquer modo, não estava interessado em adquirir um chapéu-coco, uma cartola ou a campeã de vendas do anos mais recentes, a boina no estilo da série “Peaky Blinders”.
A escala gastronômica foi no Mercato Metropolitano de Elephant and Castle –sim, Londres tem um bairro que se chama Elefante e Castelo. Comida usbeque, comida mauriciana, pizza, lámen, um lugar especializado em pato. Tudo muito bacana, mas, enfim, o que se encontra em qualquer canto hipster de Londres.
Se a visita não impactou demais, não foi culpa do JT: ele se esforçou muito mesmo para achar um mercado que eu ainda não houvesse visitado, mas ocorre que no último ano eu passei mais de dois meses em Londres.
Impactante de fato é a experiência (lá vamos nós outra vez) de jantar no Brooklands, restaurante com duas estrelas Michelin na cobertura do hotel.
Aqui precisamos de algum contexto.
Michael Kadoorie, dono da rede The Peninsula, é fanático por carros e aviões. Isso explica o city tour no Rolls-Royce, o champanhe no Concorde e a decoração peculiar do Brooklands –também nome de um autódromo, museu e parque temático de aviação e automobilismo nos arredores de Londres, onde está estacionado o tal Concorde.
Para se chegar ao restaurante, toma-se um elevador com luzes trêmulas que, descobre-se depois, emulam a tocha de um balão de ar quente. O salão ostenta um modelo de Concorde preso ao teto e uma carta celeste no carpete azul. O banheiro imita o de um avião, com um pouco mais de espaço.
O décor, contrastante com o luxo sóbrio de outras áreas do hotel, causa alguma perplexidade. Ela some, ou quase, quando começa a refeição preparada pela equipe do chef francês Claude Bosi.
O cliente escolhe entre dois menus-degustação, de três e seis etapas –ou ainda, como explica o serviço simpático e informal, duas horas e meia ou três horas e meia. Fomos no mais curto.
Bosi mistura a técnica francesa com os ótimos ingredientes britânicos e algumas tradições culinárias da ilha, sempre controversas. Um prato quase obrigatório é o carré de cordeiro com molho mentolado e pastrame da língua do próprio carneirinho, impecável.
Também impressionam o pombo com tamarindo e segurelha, o lingueirão (marisco em forma de navalha) com milho-verde e uma sobremesa feita de cogumelo porcino, banana e bergamota.
Ah, sim: harmonizado com vinhos, esse menu custa 420 libras (R$ 3.276) por pessoa.
Estava programado ainda um coquetel after dinner, mas decidi passar para aproveitar ao máximo a cama king size do quarto 328. Na manhã seguinte, não haveria Rolls Royce nem Concorde. Muito menos ônibus de excursão sem capota –porque não pertenço ao universo de luxo do Peninsula, mas a vida me ensinou uma coisa ou outra.
O jornalista Marcos Nogueira se hospedou no The Peninsula London a convite do hotel